Todo mundo já escutou considerações sobre o tal efeito borboleta, que prega um elo muitas vezes invisível entre causas e consequências as mais insólitas ligando fatos diversos. Essa é a única razão para se admitir como plausível o que se vê em “Babel”, uma junção de três histórias sobre coincidência, destino, (má) sorte, tudo quanto se queira dizer sobre as opressivas infelicidades que nos reserva o existir, para gente comum ou para espíritos destacados do resto da pedestre humanidade, cheios de uma luz interior que as livra de situações invencíveis para os simples mortais — até que a engrenagem que segura a máquina se arruína. O filme de Alejandro González Iñárritu é sobre isso, mas é também sobre a cada vez mais intransponível dificuldade de seres humanos se entenderem, e não por acaso o diretor empresta ao longa, um épico à David Lean (1908-1991), a menção à lenda bíblica da torre levantada para chegar aos céus, mas que só conseguiu criar ainda mais rebuliço na Terra. Essa atmosfera de caos imanente, sem ponto de retorno, pontua os 143 minutos da história, sem lugar para soluções fáceis.
Iñárritu e seu corroteirista, Guillermo Arriaga, continuam a trilogia iniciada por “Amores Brutos” (2000) e seguida por “21 Gramas” (2003), conduzindo com espantosa firmeza a cornucópia de tragédias que se abate sobre um grupo de pessoas que nunca se conhecem. Um empresário japonês sai de férias para o Marrocos, onde participa de uma caçada. Ao final da tétrica pantomima de macheza e frustrações recalcadas, ele presenteia o rifle que portava ao guia que o acompanhara; a arma é vendida para um amigo, que o compra com a razoável intenção de eliminar os chacais de atormentam suas ovelhas. Como são seus filhos que tomam conta do rebanho, já se pode esperar por alguma desgraça, e ela vem mesmo. Competindo para ver quem disparava melhor, Yussef, o caçula vivido por Boubker Ait El Caid, acerta um ônibus de turistas que sobe a montanha. O projétil se aloja na omoplata de Susan Jones, que com o marido, Richard, visitava a região sem nunca disfarçar a paranoia com ataques de beduínos e micróbios no gelo.
Cate Blanchett e Brad Pitt abrem “Babel” largam o bode na sala e padecem seu calvário, agora loucos para voltar para os Estados Unidos e receberem o atendimento médico de ponta de que julgam ser dignos, sem jamais atentar para a realidade dos locais, que não têm para onde correr e se satisfazem com as intervenções xamânicas de uma curandeira idosa. Em San Diego, onde moram, Amélia, a babá, cuida de Mike e Debbie, os filhos pequenos do casal, e esta passagem saborosamente atribulada esclarece, afinal, onde o diretor quer chegar.Amélia contava com uma folga para ir ao casamento do filho do outro da fronteira, e como não há quem olhe pelos meninos, ela, tresloucadamente, os leva consigo. Adriana Barraza rouba a cena em vários momentos, da mesma forma que Elle Fanning, cujo talento já despontava. No desfecho, o tal empresário nipônico que destampa a caixa de Pandora e a filha, Chieko, surda-muda, reforçam a metáfora da comunicação como a única saída possível para os tantos imbróglios da humanidade, atuações memoráveis e corajosas de Kōji Yakusho e Rinko Kikuchi, uma quimera tão pueril como a leviandade assassina de Yussef.
Filme: Babel
Direção: Alejandro G. Iñárritu
Ano: 2006
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10