O filme com Ryan Reynolds que se tornou a primeira ficção científica da Netflix a ficar no top 10 global por 85 dias Divulgação / Netflix

O filme com Ryan Reynolds que se tornou a primeira ficção científica da Netflix a ficar no top 10 global por 85 dias

“O Projeto Adam” não deslumbra imediatamente. Sob a direção de Shawn Levy, que também foi responsável por “Free Guy: Assumindo o Controle” (2021), o filme revela uma inclinação do diretor pelo tema do tempo maleável. Com sua habilidade singular, Levy mescla à narrativa, nos momentos mais decisivos, elementos de crítica social e distopia, mas sem pender para discursos exagerados. Em seu retorno com Ryan Reynolds como protagonista, Levy explora a vulnerabilidade humana, constantemente em busca de um salvador, alguém que, apesar de igualmente marcado pelas falhas do mundo, surge para mitigar as tragédias pessoais. A abordagem de Levy sobre o tempo sugere que cada era traz desafios próprios, alguns mais fáceis de enfrentar, outros que nos consomem por completo. A proposta do filme de viajar ao passado evoca, de maneira contundente, a possibilidade de reencontrar medos já superados, pessoas que nos causaram sofrimento, e eventos que moldaram quem somos hoje. Nesse contexto, o desejo de alterar o passado, seja para corrigir erros ou evitar tragédias, embora tentador, carrega consequências muitas vezes irreversíveis e destrutivas.

Ryan Reynolds se destaca em uma de suas atuações mais marcantes ao dar vida a Adam Reed, um herói atípico, deslocado e sarcástico, cuja jornada se desenrola em meio a sua tentativa de viajar no tempo. Na trama, ele rouba uma nave do ano 2050 para regressar a 2022, usando essa oportunidade para interferir em eventos que impactam diretamente sua vida. Essa versão mais madura de Adam, interpretada por Reynolds, é uma extensão do menino que foi, caracterizado por sua complexidade emocional e riqueza de nuances. O jovem Adam de 2022, vivido por Walker Scobell, é um garoto de 12 anos que enfrenta problemas na escola e acaba suspenso após uma briga. Sua frustração é palpável, e Scobell consegue transmitir um equilíbrio impressionante entre a ingenuidade infantil e uma racionalidade surpreendente para sua idade. A relação entre o jovem Adam e sua mãe, Ellie, interpretada por Jennifer Garner, é outro ponto forte da narrativa, onde Levy explora o luto e a dificuldade de seguir em frente após a perda, revelando o vínculo profundo entre mãe e filho, mesmo em meio ao sofrimento.

O encontro entre o Adam de Scobell e o Adam de Reynolds é um dos momentos mais marcantes do filme, onde a química entre os dois atores é inegável. Eles trazem à tona uma dualidade intrigante, refletindo as diferentes fases de uma mesma vida, cada uma marcada por suas próprias dores e cicatrizes. A jornada de autodescoberta e aceitação que o filme propõe é tanto um reconhecimento das fraquezas do passado quanto uma celebração do crescimento pessoal que delas advém. O sarcasmo e o ceticismo de Adam são camadas de proteção, e sua evolução ao longo da narrativa é uma reflexão sobre a necessidade de amor e tolerância, não apenas em relação aos outros, mas também consigo mesmo. É essa evolução emocional que transforma Adam em um homem forte e determinado, capaz de enfrentar os desafios que lhe são impostos.

A primeira metade de “O Projeto Adam” é onde o filme brilha mais intensamente, mas à medida que a trama se aprofunda nos elementos de ficção científica, ela se apoia em convenções familiares ao gênero. As referências a clássicos como “O Exterminador do Futuro” (1984) e “De Volta para o Futuro” (1985) são claras, e o filme ainda busca inspiração em obras como “Alta Frequência” (2000). No entanto, essas influências, embora presentes, são tratadas de forma previsível, sem grandes inovações. As interações entre os personagens de Mark Ruffalo, como Louis, o pai de Adam, e Zoe Saldaña, que interpreta Laura, a esposa de Adam, carecem de profundidade e se perdem em meio às cenas de ação e efeitos especiais que remetem a episódios de “Guerra nas Estrelas” ou “Eu, Robô” (2004). As cenas de confronto entre Adam e Laura contra a antagonista Maya Sorian, interpretada por Catherine Keener, também falham em trazer algo novo, soando como repetições de conflitos já vistos em outras sagas futuristas, apesar da boa coreografia das lutas.

Ainda assim, “O Projeto Adam” oferece reflexões profundas sobre o desejo humano de alterar o curso da história. Reviver momentos chave da trajetória de um personagem messiânico, com a missão de salvar a humanidade ou prevenir o surgimento de figuras nefastas, pode parecer uma solução revolucionária. No entanto, Levy nos convida a refletir sobre os riscos e dilemas que essa intervenção temporal traria. A narrativa aborda a incapacidade humana de lidar com os problemas do passado e os novos desafios que surgiriam ao tentar reescrever a história. A força do filme reside justamente nessa perspectiva: ao apresentar um mesmo indivíduo em diferentes momentos de sua vida, ele nos lembra da complexidade de nossas próprias existências. Todos nós, em maior ou menor grau, somos como Adam Reed, lidando com as dificuldades da vida e buscando maneiras de superá-las, seja aceitando as cicatrizes que acumulamos ou usando-as como trampolim para transformações radicais. E, talvez, a maior lição seja a de seguir em frente sem amarguras, compreendendo que as lutas que travamos com o tempo são, em última análise, parte do que nos faz humanos.


Filme: O Projeto Adam
Direção: Shawn Levy
Ano: 2022
Gêneros: Ficção Científica/Drama/Aventura
Nota: 8/10