O filme que Francis Ford Coppola afirma que gostaria de ter feito está na Netflix Divulgação / The Weinstein Pictures

O filme que Francis Ford Coppola afirma que gostaria de ter feito está na Netflix

Em muitas ocasiões, o passado pode ser comparado a uma criatura que tentamos manter confinada em uma cela dourada, alimentando-a e cuidando dela até que, inevitavelmente, ela revele toda a sua potência. Uma relação amorosa entre um jovem e uma mulher com quase vinte anos de diferença apresenta elementos suficientes para prever um desfecho problemático. Quando se adiciona a esse contexto uma barreira intransponível de valores e ideologias, é quase certo que o conflito resultará em um colapso inevitável.

“O Leitor” examina, de forma instigante, o conflito entre o desejo e a moral, a urgência dos impulsos e a honra. O filme, em sua essência, pode ser interpretado como uma profunda reflexão sobre as escolhas que fazemos e como elas podem, em muitos casos, se transformar em maldições que assombram espíritos vulneráveis. Sob a direção precisa de Stephen Daldry, a adaptação do romance homônimo de Bernhard Schlink, publicado em 1995, se transforma em um drama que aborda os dilemas e ambiguidades da guerra, onde as fronteiras entre certo e errado se tornam indistintas, e as noções de culpa e inocência permanecem em constante questionamento.

Daldry, que também dirigiu episódios da aclamada série “The Crown”, traz para “O Leitor” sua habilidade técnica e narrativa, transportando o público para uma história repleta de nuances emocionais e morais. A série, que explora os bastidores da família real britânica, também revela a capacidade de Daldry em lidar com temas complexos e sensíveis, o que ele aplica de maneira magistral ao filme, capturando a atmosfera tensa e sombria de um dos períodos mais difíceis da história moderna.

O filme começa em 1995, quando Michael Berg, já adulto, acorda ao lado de uma mulher, talvez pela última vez, antes de se preparar para um dia agitado de trabalho. Esse momento aparentemente comum serve como o ponto de partida para um retorno ao ano de 1958, quando, aos 15 anos, Michael, debilitado e solitário, chega a Berlim. Durante um de seus piores momentos, ele encontra Hanna Schmitz, uma mulher que o acolhe e cuida dele com uma intensidade incomum, criando uma relação que logo ultrapassa o cuidado platônico.

Michael, interpretado na juventude por David Kross, aceita as condições impostas por Hanna, que, além de lhe oferecer o corpo, exige que ele leia para ela antes de cada encontro. Kate Winslet, em uma atuação de destaque, captura com precisão a complexidade e a loucura de sua personagem, emoldurada pelas escolhas estéticas cuidadosas de Daldry, que a expõe, fisicamente e emocionalmente, sem nunca ultrapassar a linha tênue entre o artístico e o vulgar.

A narrativa se intensifica quando, após um período de ausência sem explicações, Michael reencontra Hanna, anos depois, em um tribunal. Ela está sendo julgada por crimes cometidos durante o regime nazista. O filme explora, através de uma narrativa não linear, as consequências desse reencontro e os dilemas morais que Michael, já adulto e interpretado por Ralph Fiennes, precisa enfrentar. O peso das memórias, representado de forma quase física, persegue o personagem enquanto ele luta para reconciliar o amor e a repulsa que sente por Hanna e pelo que ela representa.

O roteiro, coescrito por Schlink e David Hare, conduz o espectador por uma montanha-russa emocional, em que as noções de certo e errado, amor e ódio, se entrelaçam de forma indissociável. Ralph Fiennes entrega uma performance marcante, na pele de um homem assombrado pelo passado, incapaz de superar a dor causada tanto pela perda quanto pela descoberta dos atos de Hanna.

“O Leitor” se apresenta como uma obra multifacetada, que desafia o espectador a refletir sobre o papel do acaso e das escolhas em nossas vidas. Não oferece respostas definitivas ou morais absolutas; ao contrário, sua força reside justamente na sua capacidade de expor as fragilidades humanas e a complexidade das decisões que moldam nosso destino. Em tempos onde o julgamento moral é rápido e implacável, o filme nos lembra que a verdadeira coragem está em reconhecer nossas falhas e lidar com as consequências de nossas escolhas, mesmo quando o mundo nos impele a esconder nossas vergonhas.


Filme: O Leitor
Direção: Stephen Daldry
Ano: 2008
Gêneros: Drama/Romance/Guerra
Nota: 9/10