A violência irracional que corrói um povo em meio a batalhas fratricidas por causa de um conflito cuja solução deveria ser evidente é um tema que Anthony Minghella (1954-2008) aborda com certa displicência, mas também com uma boa dose de convicção em “Cold Mountain”. Este filme se insere na tradição dos épicos históricos que retratam a Guerra Civil Americana (1861-1865), uma época em que as emoções humanas, exacerbadas pelos conflitos armados, pareciam transformar o mundo em um verdadeiro inferno. Minghella, que já demonstrou sua habilidade em lidar com tais temáticas, adapta o romance homônimo de Charles Frazier, publicado em 1997, explorando com particular ênfase a natureza quase sobrenatural do encontro entre os protagonistas, o que confere à história um tom um tanto artificial, mesmo para os padrões dos best-sellers contemporâneos.
A trama se desenrola durante a Guerra de Secessão, quando o Sul escravagista e o Norte abolicionista se enfrentaram, estabelecendo uma segregação racial que, de certa forma, persiste até hoje. É nesse contexto que a relação tumultuada entre Ada Monroe, a bela e sofisticada filha de um reverendo de Charleston, na Carolina do Sul, e Inman, um confederado inicialmente descrito como pusilânime, se desenrola. Ada se muda para Petersburg, na Virgínia, e é nesse ambiente que o destino une os dois. Minghella conduz a narrativa sublinhando o caráter quase metafísico desse encontro, mas o faz de forma que a história, por vezes, soa artificiosa, desviando-se das expectativas de uma obra literária com apelo mais universal.
Enquanto a guerra costuma ser o palco onde emergem grandes mártires e personalidades, que se destacam por sua coragem em meio a ofensivas e contra-ataques, “Cold Mountain” opta por um caminho diferente. Inman Balis, o protagonista, começa sua jornada talvez alimentado pela esperança de escapar de um lugar que parece insignificante aos olhos do mundo. No entanto, rapidamente ele se desilude com os horrores da guerra, especialmente com a brutalidade das armas e bombas, que o Norte usa contra as defesas do Sul nas fases finais do conflito. A narrativa, portanto, se concentra na busca de Inman por um amor que, imerso nas minúcias do cotidiano, adquire uma aura de eternidade. É um privilégio raro e, por isso mesmo, é uma crueldade tentar condená-lo. Minghella explora essa perspectiva com o apoio do carisma de Jude Law, que interpreta seu personagem com toques sutis de humanidade, em meio à paisagem gelada e desoladora, destacada pela fotografia de John Seale. Inman, apesar de covarde, é um homem sensível, que se revolta com a realidade brutal ao seu redor, expressando sua indignação com a morte prematura de jovens soldados, um elemento que remete ao clássico “Nada de Novo no Front” (1928), de Erich Maria Remarque, recentemente adaptado por Edward Berger.
“Cold Mountain” também resvala em semelhanças incômodas com “O Paciente Inglês” (1996), outra saga bélico-romântica, escrita pelo canadense Michael Ondaatje e também adaptada por Minghella. No entanto, o Inman de Jude Law e a Ada de Nicole Kidman eventualmente encontram seu próprio caminho narrativo. À medida que o filme avança para seu desfecho, Kidman assume um papel mais central, embora suas limitações dramáticas sejam evidentes em cenas pontuadas por frases de efeito. Seu monólogo final, um discurso cheio de clichês e sentimentalismo, acaba por empobrecer um enredo que tinha potencial para explorar temas muito mais profundos e complexos. Contrariando as palavras de Ada, nem todos os poços revelam o sol ao fundo.
Filme: Cold Mountain
Direção: Anthony Minghella
Ano: 2003
Gêneros: Guerra/Drama/Romance
Nota: 8/10