Visto por 80 milhões de espectadores, drama com Tom Hanks baseado em livro com 7 milhões de cópias vendidas está no Prime Video Divulgação / Columbia Pictures

Visto por 80 milhões de espectadores, drama com Tom Hanks baseado em livro com 7 milhões de cópias vendidas está no Prime Video

Otto Anderson é um personagem que nos é familiar. Protagonista de “O Pior Vizinho do Mundo”, dirigido por Mike Forster, Otto é um viúvo de setenta e poucos anos, que parece se encolher sempre que percebe alguém feliz se aproximando. Este comportamento é central no roteiro de David Magee, que segue de perto as orientações de Hannes Holm, diretor de “Um Homem Chamado Ove” (2015), uma adaptação do romance homônimo de Fredrik Backman, publicado em 2012.

Embora se possa encontrar paralelos entre o filme de Forster e obras como “Eu, Daniel Blake” (2016), de Ken Loach, ou “As Confissões de Schmidt” (2002), de Alexander Payne, a presença de Tom Hanks na pele de Otto desfaz comparações fáceis. Hanks infunde uma complexidade única ao personagem, transformando a rabugice de Otto em algo cativante e profundamente humano. Logo nos primeiros minutos, Hanks faz com que o público esqueça a interpretação de Rolf Lassgård no filme de 2015, criando uma versão que se sustenta por si só.

A essência de Otto Anderson pode ser capturada em uma cena aparentemente simples: ele está na loja Busy Beaver, procurando por um item específico. Quando finalmente encontra o que precisa, uma corda de um metro e sessenta e cinco centímetros, é interrompido por um jovem vendedor que se oferece para ajudar. Otto recusa a ajuda, preferindo cortar a corda sozinho. No caixa, uma discussão se segue: o sistema da loja só aceita cobrar por metros inteiros, e Otto se recusa a pagar por dois metros. Neste ponto, fica claro que Otto é movido por um senso inflexível de justiça.

A interação entre Hanks e o vendedor, interpretado por John Higgins, traz à tona um equilíbrio perfeito entre humor e dor, abrindo caminho para os diversos momentos tocantes e desconfortáveis que o filme reserva. Forster frequentemente coloca Otto em cenas de patrulha pela rua onde vive, um espaço peculiar e livre de carros, graças a uma construtora de nome irônico, Dye & Merica, que ameaça despejar os moradores, mesmo os que possuem suas casas há anos. Neste cenário, surge Marisol Mendes, a nova vizinha de Otto, cuja presença provoca uma reviravolta na vida do protagonista e daqueles ao seu redor.

Aqueles familiarizados com o filme de Holm ou o livro de Backman já têm uma ideia de como a relação entre Otto e Marisol irá se desenvolver, mas isso não diminui a experiência. Forster combina a melancolia de Otto com a vibrante fé em humanidade de Marisol, criando um contraste que evolui de maneira satisfatória. Em diversos momentos, Otto é mostrado em suas tentativas frustradas de acabar com a própria vida, sempre interrompidas por acidentes domésticos ou pela aparição fantasmagórica de Sonya, sua falecida esposa, que, de certa forma, ainda o acompanha.

Os flashbacks que revelam a juventude de Otto adicionam um toque de encantamento a uma história já marcada por elementos mágicos e realistas. Truman Hanks, filho de Tom Hanks, e Rachel Keller, que interpretam os jovens Otto e Sonya, respectivamente, trazem uma dose de lirismo, especialmente nas cenas que mostram Otto determinado a se distanciar do mundo. A narrativa também faz referência a temas filosóficos e espirituais, utilizando elementos como a edição de “O Mestre e Margarida” (1967), de Mikhail Bulgákov, para explorar a luta entre o livre-arbítrio e forças maiores.

Otto parece estar em constante batalha, não apenas contra seus próprios demônios, mas também com a bondade implacável e desinteressada representada por Marisol. Esta personagem, que lembra Sonya em sua devoção altruísta, não desiste de Otto, oferecendo-lhe refeições caseiras e um apoio silencioso. Aos poucos, ele cede.

Mariana Treviño, no papel de Marisol, se destaca, trazendo uma autenticidade que eventualmente transforma Otto e o ambiente ao seu redor. A relação entre os dois personagens não apenas ressuscita antigos afetos, mas também cria novos, incluindo a conexão com um garoto trans, a reconciliação com velhos conhecidos e a inesperada amizade com um gato de rua, que, assim como Otto, só precisa de um pouco de calor para voltar a acreditar no amor.


Filme: O Pior Vizinho do Mundo
Direção: Mike Forster
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10