Após chocar Cannes e ser aplaudido por 6 minutos, novo filme de Yorgos Lanthimos está nos cinemas brasileiros Divulgação / 20th Century Studios

Após chocar Cannes e ser aplaudido por 6 minutos, novo filme de Yorgos Lanthimos está nos cinemas brasileiros

O cinema de Yorgos Lanthimos provoca. Mais novo queridinho de Hollywood, o diretor tem se especializado em falar de assuntos e gente estranhos, e “Tipos de Gentileza” comprova a tendência iniciada com “Meu Melhor Amigo” (2001), sobre um vendedor de seguros que perde um voo para a França e passa pelas situações lanthimosianas que vêm capturando as atenções de plateias do mundo todo a partir de “Dente Canino” (2009). “O Lagosta” (2015) e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017) ratificaram o sucesso da parceria entre Lanthimos e o corroteirista Efthimis Filippou, e agora, depois do hiato de “A Favorita” (2018) e “Pobres Criaturas” (2023), concebido com Tony McNamara, os dois voltam mais entrosados do que nunca numa empreitada de três horas divididas em três histórias que interligam-se ou não, a depender do ponto de vista, a grande sacada aqui, o que rende saborosas mesas redondas regadas numa tarde fria — bem de acordo com a estética do filme, aliás.

Audacioso, Lanthimos elabora uma antologia de cerca de três horas iniciada por A Morte de RMF, título que desencadeia uma confusão proposital. Essas iniciais podem se referir a mais de um personagem, mas, claro, o primeiro que vem à cabeça é Robert Fletcher, um homem presa de suas vãs aspirações no mundo corporativo e vítima de Raymond, um chefe tirano. Willem Dafoe e Jesse Plemons, dois dos amuletos do diretor, nessa ordem, conduzem essa abertura segurando o espectador com interpretações muito longe do óbvio, com destaque para o segundo. Fletcher ouve de Raymond toda sorte de impropérios e absurdos, até mesmo como e com que frequência deve fazer sexo com a esposa, Sarah, de Hong Chau, a fim de reduzir ao máximo a possibilidade de filhos. Numa passagem, quiçá a mais desagradável do longa, Raymond obriga seu subordinado a ministrar drogas abortivas a Sarah, e algum tempo depois, uma ordem dele tira-lhe o equilíbrio mental que lhe restava.

A Morte de RMF é de longe o melhor dos três capítulos. Cada vez melhor, Plemons desenvolve a ideia central de “Tipos de Gentileza”, isto é, a cornucópia de emoções que varre as convicções de alguém, desventura a que estamos todos sujeitos. O controle e a falta dele materializam-se sob a forma de uma das raquetes quebradas pelo tenista John McEnroe ou do capacete queAyrton Senna (1960-1994) atirava ao chão nas raras vezes em que perdia uma corrida. Em RMF está Voando, Fletcher cede lugar a Daniel, um policial que vai fenecendo diante da suposta morte da esposa, Rita, num acidente de helicóptero, que acaba voltando. Plemons e Emma Stone compõem um desses casais cheios de segredos insondáveis, o que parece ainda mais evidente no desfecho, RMF Come um Sanduíche, agora com os dois na pele de Andrew e Emily. “Sweet Dreams” (1983), o contagiante new wave dos britânicos do Eurythmics, não é gratuita e explica muito do que Lanthimos pretendeu com mais essa ode às excentricidades e à urgência de transgredir de toda mulher e todo homem.


Filme: Tipos de Gentileza 
Direção: Yorgos Lanthimos
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Drama 
Nota: 8/10