Filme com Clive Owen e Amanda Seyfried foi a primeira ficção científica original da Netflix a ocupar o top 1 mundial Divulgação / Netflix

Filme com Clive Owen e Amanda Seyfried foi a primeira ficção científica original da Netflix a ocupar o top 1 mundial

A ascensão da inteligência artificial, previsivelmente, tem se revelado uma ameaça crescente à humanidade. O que antes parecia ser uma ameaça distante e silenciosa, agora caminha a passos largos para se tornar um adversário sagaz, traiçoeiro e implacável. A tecnologia, ao absorver os piores instintos acumulados pelos humanos ao longo de mais de 140 mil anos de história — marcados pela ganância, sede de poder e ódio — pode em breve superar nossa própria truculência. O filme “Anon”, uma sátira afiada e quase romântica dirigida por Andrew Niccol, explora essa linha de pensamento ao investigar eventos históricos para entender em que ponto perdemos de vista o decoro, a defesa do bem comum e o altruísmo. Este processo de decadência nos trouxe ao presente momento, onde nos encontramos acuados por forças que ultrapassam nossa compreensão, enquanto tentamos desesperadamente aprender algo de nossos erros, embora sejamos impiedosamente confrontados com revelações que nos martirizam.

O roteiro de Niccol mergulha na paranoia que permeia a insegurança generalizada dos tempos atuais. Em um mundo onde um sistema de vigilância extrema extinguiu qualquer possibilidade de escapar da lei, Sal Frieland, um policial interpretado por Clive Owen, encontra alguém capaz de driblar esse controle absoluto. Neste ponto, o diretor-roteirista expõe suas especulações perturbadoras sobre a interferência estatal na vida privada dos cidadãos — aqui, mostrando sua habilidade em tratar de temas densos e complexos. Niccol já havia se aventurado em questões científicas em obras anteriores. Em 1997, com “Gattaca”, ele abordou o universo da genética, ecoando as pesquisas dos biólogos moleculares James Watson e Francis Crick. Em 2011, “O Preço do Amanhã” refletiu sobre a física quântica e a reestruturação da cronologia como a conhecemos, misturando elementos marxistas à narrativa. “Anon” se posiciona como a culminação de uma trilogia em que Niccol examina a ciência como aliada e algoz da humanidade, alcançando aqui seu ápice criativo.

Curiosamente, Anon é uma mulher. Amanda Seyfried dá vida à personagem-título, que é perseguida pelo detetive de Owen devido a características bastante suspeitas. A narrativa segue um caminho inesperado, bifurcando-se em duas direções: uma focada na própria Anon e outra que nos remete ao futurismo de Philip K. Dick, autor de “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” — obra que inspirou os filmes “Blade Runner” e “Blade Runner 2049”. Para cativar a audiência e equilibrar o peso intelectual do filme, Niccol investe em uma dinâmica perseguição entre Sal e Anon, além de inserir um intrigante mistério de assassinato que intensifica a situação de Anon, uma anti-heroína cuja interpretação por Seyfried acaba por ofuscar a atuação do protagonista masculino.

A fotografia de Amir Mokri, com suas tonalidades apagadas e sombrias, reforça a imagem de Nova York como epicentro das distopias. A cidade, com sua diversidade incomparável, continua sendo o palco ideal para cenários apocalípticos. Resta saber se a Grande Maçã permanecerá assim, ou se sucumbiremos aos robôs e sistemas que nós mesmos criamos, transformando toda a humanidade em um exército de Anons, perseguidos sem sequer saber o motivo de nossa condenação.


Filme: Anon
Direção: Andrew Niccol
Ano: 2018
Gêneros: Ficção científica/Thriller
Nota: 8/10