Baseado em livro de Paul Pen, suspense ignorado pelo público é um dos melhores filmes da história da Netflix Divulgação / Netflix

Baseado em livro de Paul Pen, suspense ignorado pelo público é um dos melhores filmes da história da Netflix

A existência se esvai pelas frestas do tempo, e, num instante de descuido, um evento inesperado pode transformar a trivialidade de um cotidiano imerso na penumbra. Viver é um ato de resistência, um embate contínuo contra as adversidades intrincadas que nos desafiam a cada passo, uma tarefa árdua, mas recompensadora, que apenas os verdadeiramente fortes compreendem em sua totalidade. Encarar a vida é como firmar um acordo vitalício, cujas cláusulas implícitas exigem a aceitação das suas vicissitudes, a convivência com seus enigmas intransponíveis e a adaptação às suas artimanhas imprevisíveis. Guiada por suas próprias e inconstantes regras, a vida subverte qualquer tentativa de compreensão racional, deixando-nos apenas com a necessidade de dominar a arte do esquecimento, uma habilidade indispensável para aqueles que aspiram a amar verdadeiramente. Essas lições, tão sutis quanto poderosas, circundam-nos a cada dia, desde o primeiro alento até o derradeiro suspiro, como advertências silenciosas para que nos ajustemos em tempo hábil, a fim de desfrutar das reviravoltas que o destino nos reserva, sem sucumbir às inevitáveis dores que o caminho impõe.

O protagonista de “O Aviso” (2018) revela-se incapaz de esquecer e aprende muito pouco ao longo de sua trajetória. Daniel Calparsoro apresenta ao público um estudo meticuloso e perturbador de uma mente em processo de desintegração, marcada por segredos insustentáveis para qualquer outro ser humano. Desde os primeiros momentos até além da metade do filme, Calparsoro, sustentado por um roteiro intrincado de Chris Sparling e Patxi Amézcua, obriga o espectador a imergir no drama psicológico de Jon, um ex-gênio matemático que, após promessas não cumpridas, se agarra desesperadamente à realidade em frangalhos. Jon, interpretado com precisão por Raúl Arévalo, foi um prodígio em competições de matemática, mas agora vive uma existência desoladora, marcada por eventos trágicos e decisões duvidosas.

Durante um episódio crucial, ele está na companhia de Pablo, vivido por Aitor Luna, enquanto compram gelo para uma festa organizada por Andrea, interpretada por Belén Cuesta. A partir deste ponto, o diretor começa a arquitetar cuidadosamente os elementos narrativos, permitindo ao público acompanhar, e talvez desvendar, o mistério que permeia a trama. A loja de conveniência em um posto de combustíveis, onde Jon e Pablo fazem uma breve parada, torna-se o cenário central da narrativa, explorado com maestria ao longo de uma história conduzida pelo fluxo de consciência do protagonista.

À medida que a esquizofrenia de Jon é gradualmente revelada, o espectador é envolvido em uma teia de obsessões que se intensificam, exacerbadas pela pressão emocional exercida por Andrea. O relacionamento deles, já fragilizado por um passado sombrio, desmorona definitivamente quando Andrea se envolve com Pablo, que acaba sendo baleado em um assalto à loja. Coincidências matematicamente verificáveis, segundo Jon, levam-no a acreditar que ele deveria ter sido a vítima, e não Pablo, levando-o a uma espiral de paranoia que o conduz à beira da loucura.

No desenrolar da trama, o futuro é simbolizado por Nico, interpretado por Hugo Arbues, e sua mãe Lucía, encarnada por Aura Garrido, em uma performance marcante. Nico, com apenas dez anos, enfrenta as provações típicas da infância, exacerbadas pelo bullying cruel de colegas mais velhos. Lucía, uma mãe superprotetora, confronta a diretora da escola, Amparo, vivida por Patricia Vico, o que desencadeia revelações que determinam o rumo da história, em um paralelo evidente com o estilo de Oriol Paulo em “Durante a Tormenta” (2018). A trama culmina com a recuperação improvável de Pablo e o encontro inevitável de Jon com seu destino, selando as peças do quebra-cabeça de forma impactante.

No ato final, as performances ganham uma complexidade maior, destacando-se Antonio Dechent como Héctor, o proprietário do posto de combustíveis, cujo papel inicialmente suspeito se revela crucial para a narrativa. As reviravoltas constantes, características de um thriller psicológico bem executado, mantêm o espectador em estado de alerta, enquanto Calparsoro demonstra um domínio crescente sobre a arte de surpreender, entregando um trabalho de excelência que se afirma com força singular.


Filme: O Aviso
Direção: Daniel Calparsoro
Ano: 2018
Gêneros: Suspense/Drama
Nota: 9/10