As obsessões humanas, muitas vezes, tornam-se companheiras indeléveis ao longo da vida, resquícios persistentes de sonhos despedaçados e medos ocultos. Esses fantasmas não desaparecem; permanecem à espreita, esperando a menor brecha para ressurgir, tal como um vírus adormecido que ataca seu hospedeiro ao primeiro sinal de fraqueza. Quando o terreno se abre, conter a invasão torna-se uma tarefa quase impossível. Assim, os intrusos, após anos de preparo meticuloso, encontram seu caminho para dentro, silenciosos e furtivos, roubando o que há de melhor e mais vital, alimentando a ilusão de poder substituir seu hospedeiro. Contudo, esses parasitas cometem um erro crucial: não percebem que seu avanço implacável leva inevitavelmente à destruição do sistema que os sustenta. Há um ponto em que a ousadia do mal encontra seu limite.
No filme “71 — Esquecido em Belfast”, o diretor Yann Demange aborda os conflitos entre britânicos e norte-irlandeses como uma doença crônica, cuja cura parece tão incerta quanto necessária. As tensões entre Irlanda do Norte e Reino Unido, que se arrastam há cinco décadas, remontam a um passado quase esquecido. Embora não haja consenso sobre o marco inicial dessas hostilidades, muitas vezes referidas como The Troubles, Demange escolhe focar em 1971, um ano turbulento na história britânica, marcado pela entrada do Reino Unido no Mercado Comum Europeu e pela independência do Bahrein. Nesse contexto, o filme explora um período crítico, em que os eventos moldaram profundamente a trajetória dos conflitos.
O diretor desenvolve o roteiro de Gregory Burke com uma abordagem concisa, retratando a resistência norte-irlandesa sem aprofundar-se nas motivações que levaram a esse embate violento. Jack O’Connell, em uma atuação intensa, encarna Gary Hook, um soldado britânico enviado a Belfast, que se vê perdido e ferido em meio à confusão de uma batalha. Nesse ambiente caótico, onde a distinção entre inimigos e aliados é quase imperceptível, Hook luta pela sobrevivência enquanto seu desaparecimento desencadeia uma onda de especulação na imprensa inglesa, ávida por histórias sensacionais.
À primeira vista, “71 — Esquecido em Belfast” pode parecer mais um filme de guerra, reminiscentes de clássicos como “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), de Spielberg. No entanto, a comparação se dissolve rapidamente. Enquanto Spielberg dispôs de vastos recursos para suas épicas batalhas, o foco de Demange é mais íntimo, centrado na vulnerabilidade de um único soldado em meio ao caos. A interpretação de O’Connell é notável, conquistando merecido reconhecimento em festivais internacionais como o de Toronto, além de uma indicação ao prestigiado BAFTA. No final, o filme não é apenas uma história de guerra, mas um testemunho da luta por sobrevivência em um cenário onde a violência é onipresente e a esperança, um bem raro.
Filme: 71 — Esquecido em Belfast
Direção: Yann Demange
Ano: 2014
Gêneros: Guerra/Thriller/Drama/Ação
Nota: 9/10