Se o capitalismo é capaz de transformar praticamente qualquer coisa em lucro, a indústria cultural utiliza histórias de ambição desmedida e os meios mais questionáveis para se alcançar a riqueza como matéria-prima para canções, programas de televisão, livros e filmes. Dentre essas formas, os livros e filmes se destacam, frequentemente explorando esses temas de maneira impactante e poderosa.
Em “Máfia da Dor”, David Yates nos apresenta uma narrativa que, à primeira vista, parece seguir o tradicional conto da ascensão a qualquer custo. No entanto, um elemento se destaca sutilmente em meio ao caos de informações, diálogos intensos e cenas repletas de opulência, som e fúria: a presença de uma protagonista que se revela cada vez mais confiante, evoluindo visivelmente a cada cena.
Emily Blunt assume o papel central de forma notável, e sua interpretação, embora oscilante, reflete a complexidade da personagem. A partir de um início turbulento, a trama avança para um tom mais dramático, culminando em um desfecho que sugere, talvez, uma conclusão mais otimista do que o espectador poderia esperar.
A história se desenrola na Flórida, em 2011. Liza Drake, a protagonista, é mostrada dirigindo em um dia de céu claro, rememorando os eventos que marcaram a transição do primeiro para o segundo ato do filme. Ciente de que se desviou do caminho correto, Liza justifica suas ações pelas circunstâncias e acredita ter encontrado uma nova direção.
O roteiro, assinado por Wells Tower, se baseia na narrativa real descrita por Evan Hughes no livro “The Hard Sell: Crime and Punishment at an Opioid Startup” (“A Venda Difícil: Crime e Punição em uma Startup de Opioides”, em tradução literal). Entretanto, a narrativa é abruptamente interrompida por um homem de terno elegante, que promete não suavizar a verdade sobre os atos cometidos por ele e Liza.
Yates explora ao máximo o talento de Blunt, e, gradualmente, Chris Evans também encontra seu espaço na narrativa. Logo no início, somos introduzidos a Liza e Pete Brenner, os personagens centrais do enredo. Os dois se encontram no ambiente sombrio de um clube onde Liza trabalha como stripper.
Brenner, ao vê-la, percebe um potencial nela que passa despercebido por todos os outros, um potencial que só poderia ser reconhecido naquele contexto. Brenner está em busca de alguém audacioso o suficiente para convencer investidores de todos os perfis a apostar na Zanna, uma startup de saúde que ele representa. A aposta envolve o fentanil, um poderoso analgésico utilizado no tratamento de dores crônicas.
O fármaco, comercializado sob o nome de Lonafen, dribla a supervisão do FDA (a agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos) ao declarar uma concentração de morfina significativamente menor do que a realmente utilizada.
Isso permite que o medicamento seja prescrito até para condições leves, como dores de cabeça. Como consequência, milhões de pacientes acabam se tornando dependentes dessa nova droga, transformando a Zanna de uma empresa à beira da falência em uma das gigantes do setor farmacêutico.
Após detalhar o auge da companhia e a rápida ascensão social de Liza e Brenner, “Máfia da Dor” se volta para o declínio dos protagonistas, abordando o colapso dos personagens de Blunt e Evans, em especial. A trama dedica atenção ao núcleo familiar de Liza, que é mãe solteira de Phoebe (Chloe Coleman) e também precisa lidar com a manutenção de sua mãe, Jackie, que oferece um alívio cômico graças à atuação de Catherine O’Hara. O final do filme parece sugerir uma conclusão feliz, mas há uma ambiguidade subjacente, refletindo a realidade enganosa da indústria farmacêutica nos Estados Unidos.
Filme: Máfia da Dor
Direção: David Yates
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Crime
Nota: 8/10