A complexidade dos relacionamentos matrimoniais vai muito além da simples escolha de um lado da cama para dormir. Em um casamento, praticamente todas as decisões são debatidas e, muitas vezes, a discórdia se revela nas pequenas loucuras que inicialmente parecem inofensivas, mas que, em última instância, podem conduzir a consequências desastrosas. No filme “Fiéis”, o título por si só já provoca o público, sugerindo uma reflexão profunda sobre a dedicação de casais à prosperidade de seu relacionamento. Contudo, o que se revela é um jogo de aparências onde a razão, em situações delicadas, se transforma em um adversário sutil, cuja presença imperceptível gradualmente contamina o ambiente com tédio e malícia. Esses sentimentos são combatidos com soluções superficiais, que, na realidade, só intensificam a ruína da felicidade conjugal.
À medida que a trama se desenrola, o ponto de ruptura é atingido quando a mentira, ao ser ignorada, desencadeia uma espiral de indiferença que evolui para a neurose, culminando em um cenário caótico. Desde as cenas iniciais, o diretor holandês André van Duren estabelece uma narrativa repleta de situações desconfortáveis e imprevisíveis, comparáveis à vastidão perigosa do oceano. O roteiro, desenvolvido em colaboração com Elisabeth Lodeizen e Paul Jan Nelissen, é meticulosamente construído a partir de imagens que, embora inicialmente pareçam desconexas, formam a base sólida sobre a qual o enredo se sustenta. A poesia sutil do começo dá lugar a um cinismo revelador, como exemplificado na audiência de divórcio conduzida por Bodil Backer, interpretada por Bracha van Doesburgh. A personagem de Bodil, uma juíza de aparência rígida e profissional, esconde uma frustração interna, explorada pelo diretor com habilidade. Enquanto as questões permanecem na esfera das suposições, Bodil planeja uma “ viagem de mulheres”, que, na superfície, inclui apenas uma palestra e uma peça de teatro, cada qual repleta de reviravoltas. Sua companheira nessa jornada é Isabel Luijten, uma dona de casa aparentemente tranquila, vivida por Elise Schaap, que Bodil está determinada a resgatar da monotonia da vida doméstica.
Os poucos homens que aparecem no filme desempenham papéis insignificantes, meros peões nas mãos de suas esposas, refletindo o ambiente de frouxidão moral e degeneração emocional em que Van Duren escolhe trabalhar. No segundo ato, o filme revela o mecanismo que permite às duas amigas explorarem as praias e boates de um destino desconhecido, acreditando estarem seguras e livres de consequências. Conforme o final se aproxima, o público percebe que, contrariamente ao que pensavam, Bodil e Isabel são menos astutas do que imaginavam. O verdadeiro foco da narrativa recai sobre o plano de Isabel para se libertar de Luuk, seu marido, interpretado por Gijs Naber, que não faz ideia do desprezo que sua esposa sente por ele. A solução ex machina que o diretor utiliza para concluir este arco reforça estereótipos sobre a fragilidade do casamento heterossexual e monogâmico, embora, sob uma perspectiva dramatúrgica, o desfecho seja satisfatório.
Filme: Fiéis
Direção: André van Duren
Ano: 2022
Gêneros: Thriller/Mistério
Nota: 8/10