A sombra do fim paira sobre a humanidade, como moscas em volta de um doce recheado de creme, ainda que com um toque amargo. Antes que a morte nos alcance, é o acaso que nos rodeia, insinuando-se sem discrição nas vidas de todos, independentemente de raça ou cultura. Diariamente, somos obrigados a encarar essa imprevisibilidade, tentando escapar de suas armadilhas, mas também ansiando por suas raras e surpreendentes benevolências que podem transformar breves momentos em justificativas para uma vida inteira.
No centro desta narrativa, temos duas mulheres, duas amigas cujas vidas se entrelaçam desde cedo. Elas são confrontadas não apenas com o fim iminente de uma amizade que se estendeu por três décadas, mas também com o desmoronamento das idealizações que mantinham uma sobre a outra, mesmo na idade adulta. “Já Estou Com Saudades” desenvolve-se em torno de um final que é ao mesmo tempo trágico e sereno.
Catherine Hardwicke, diretora do filme, nos convida a participar do cotidiano de Milly e Jess, interpretadas por Toni Collette e Drew Barrymore, respectivamente. Elas são as anti-heroínas que abraçam o “carpe diem” de Horácio, sem desperdiçar tempo com futilidades. À medida que a história avança, o roteiro de Morwenna Banks revela os lados mais sombrios das protagonistas, aqueles que elas guardam para si mesmas e aqueles que compartilham uma com a outra, formando a base do enredo.
O desenrolar do tempo não é garantia de nada concreto. Sócrates, muito antes, apontou a inutilidade da velhice, observando que quanto mais envelhecemos, mais percebemos a profundidade de nossa ignorância. O homem sensato, segundo ele, torna-se cada vez mais consciente de suas limitações, sentindo a dificuldade de reacender a chama da curiosidade pela vida, pelo desconhecido, pelo aprendizado contínuo.
Desde o momento em que nascemos, somos lançados em uma batalha sem fim contra um inimigo invencível: o tempo. Este adversário paciente permite que nos confortemos com a ilusão de felicidade, ainda que a verdadeira natureza da nossa existência seja uma busca interminável e, por vezes, frustrante por um ideal de contentamento. Como na alegoria da caverna de Platão, o mundo que vemos é apenas uma projeção dos nossos desejos mais íntimos, das nossas crenças e peculiaridades. Vivemos presos a essas ilusões, cada um com suas próprias fantasias e sonhos.
Londres serve como pano de fundo ideal para a melancolia que gradualmente se apodera de Milly, uma figura vibrante no mundo das relações públicas, e Jess, que vive em busca de um sentido mais profundo, como a maternidade com seu marido, Jago, interpretado por Paddy Considine. Os homens em suas vidas, porém, aparecem como coadjuvantes, com Considine desempenhando melhor seu papel do que Dominic Cooper, que interpreta Kit, o esposo egoísta e narcisista de Milly.
O roteiro de Banks tira inspiração de “Razão e Sensibilidade” de Jane Austen para explorar os temperamentos das protagonistas, que vivem no limiar de um rompimento iminente, mesmo antes do diagnóstico de câncer de mama de Milly, que culmina em uma mastectomia dupla. Neste ponto, “Já Estou Com Saudades” remete ao filme “50/50”, mas Hardwicke resgata o enredo nos momentos finais, ressaltando que Milly não está apenas envelhecendo, mas também se tornando mais sábia. Esta percepção de sabedoria emergente é o núcleo da narrativa, capturando a complexidade e a profundidade das experiências humanas diante da finitude.
Filme: Já Estou Com Saudades
Direção: Catherine Hardwicke
Ano: 2015
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10