122 milhões de pessoas assistiram: a comédia mais vista da história da Netflix

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Desde o início do tráfico de escravos africanos em 1619, que marcou a chegada dos primeiros negros escravizados na colônia da Virgínia, até o fim oficial da escravidão nos Estados Unidos em 1865, com a promulgação da Décima Terceira Emenda, passaram-se 246 anos de um regime brutal. Esse sistema era tão profundamente enraizado que sobreviveu até mesmo ao fervor revolucionário da independência, entre 1774 e 1776, quando as forças lideradas por George Washington enfrentaram e venceram as tropas britânicas de Jorge III. Durante todo esse período, a escravidão foi uma instituição impenetrável, resistindo a qualquer tentativa de reforma ou apelo por direitos, com a repressão sendo respondida com violência extrema. A abolição oficial em 1865 não trouxe, no entanto, a liberdade plena. As leis segregacionistas e a violência sistemática, sancionadas por um sistema político democrático, mantiveram os descendentes de escravos em uma situação de subjugação até 1968. Foi só a partir desse ano, com a intensificação dos movimentos de direitos civis, liderados por figuras como Martin Luther King Jr. e Malcolm X, que as estruturas de opressão começaram a ser efetivamente desafiadas e desmanteladas.

A história dos judeus também é marcada por perseguições e lutas semelhantes às dos negros americanos, mas em um contexto global. Depois de séculos de diáspora e perseguições, os judeus finalmente encontraram uma pátria em 14 de maio de 1948, com a criação do Estado de Israel, reconhecido internacionalmente como uma reparação pelas atrocidades cometidas durante o Holocausto. No período entre 1939 e 1945, seis milhões de judeus, junto com outros grupos considerados indesejáveis pelo regime nazista, foram exterminados em campos de concentração espalhados pela Europa. Esse genocídio, perpetuado pelo regime de Adolf Hitler, é um dos capítulos mais sombrios da história humana, com o 27 de janeiro sendo designado pela ONU como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, para assegurar que tais horrores nunca sejam esquecidos.

Kenya Barris, em sua obra “Certas Pessoas”, faz uma análise crítica e profunda das conexões entre essas duas histórias de sofrimento e resistência. Ao explorar temas urgentes como racismo, escravidão e o Holocausto, Barris utiliza o humor como uma ferramenta poderosa para desviar das armadilhas do politicamente correto e abrir caminho para discussões que precisam ser enfrentadas com urgência. Reconhecido com diversos prêmios da NAACP, uma entidade que defende os direitos e a cultura afro-americana, Barris não hesita em desafiar os poderosos e expor as verdades que muitos preferem ignorar. A sequência de abertura do filme, que já traz uma crítica afiada envolvendo o ex-presidente Obama, exemplifica o tom ousado e irreverente da obra. Com performances memoráveis de Jonah Hill e Sam Jay, o filme mistura humor e crítica social de maneira provocativa e inteligente.

Ezra, o protagonista vivido por Jonah Hill, é retratado como um homem que se aproxima da meia-idade sem ter encontrado seu caminho, um arquétipo de muitas pessoas que lutam para conciliar suas identidades e expectativas sociais. O encontro improvável com Amira, uma vibrante designer de moda interpretada por Lauren London, inicia uma série de eventos que culminam em um relacionamento acelerado, levando-os rapidamente a um jantar com as respectivas famílias. A tensão entre os pais de Ezra, judeus, e os pais de Amira, muçulmanos, é uma representação das complexas interseções de identidade e cultura, abordadas de forma tão absurda quanto sofisticada.

A cena em que os pais de Amira, interpretados por Eddie Murphy e Nia Long, questionam os pais de Ezra sobre a figura de Louis Farrakhan, líder da Nação do Islã conhecido por suas posições controversas, é o ponto culminante de um filme que, ao mesmo tempo, desconstrói e celebra as diferenças culturais. No final, “Certas Pessoas” deixa uma mensagem clara: apesar das diferenças, o que realmente deveria importar é o amor, um ideal que, infelizmente, nem sempre se realiza na prática.


Filme: Certas Pessoas
Direção: Kenya Barris
Ano: 2023
Gêneros: Comédia romântica/Comédia de costumes
Nota: 9/10