O surpreendente filme que desbancou Barbie em número de espectadores no canal Max Divulgação / Warner Bros. Pictures

O surpreendente filme que desbancou Barbie em número de espectadores no canal Max

Falar de um jovem visionário, sonhando com a possibilidade de ter seu próprio negócio, é meio caminho andado quanto a ganhar a simpatia do público. Se este personagem for Willy Wonka, arrebatando os corações de crianças de oito a oitenta na pele de Timothee Chalamet num vesano conto de fadas a exemplo de “Wonka”, fica ainda mais difícil não se derreter. Inspirado em “Charlie and the Chocolate Factory” (“Charlie e a fábrica de chocolate”, em tradução literal; 1964), de Roald Dahl (1916-1990) — que já havia ganhado o mundo como “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971), de Mel Stuart (1928-2012) —, este trabalho de Paul King segue a trilha aberta há mais de meio século, porém, claro, tem na tecnologia uma inescapável aliada para evitar o sabor rançoso de velho. Não existe nenhuma grande novidade semântica que faça saltarem os olhos, e, no entanto, a memória afetiva mesmo daqueles que nem pensavam em nascer quando da estreia de filme de Stuart se acende, talvez graças a alguma leitura anterior de Dahl.

O romantismo cínico e niilista do escritor galês desponta em imagens que podem passar sem serem notadas por olhos menos treinados. Wonka não se esquece da barra de chocolate que a mãe lhe dera, uma espécie de amuleto — que deve mesmo ter propriedades mágicas, já que nunca se deteriora —, e parece seguir pela estrada de tijolos amarelos de Dorothy Gale em “O Mágico de Oz” (1939), com a diferença de que, na distopia de Victor Fleming (1889-1949), a heroína interpretada por Judy Garland (1922-1969) contava com seus três fiéis escudeiros, cada qual privado de uma nobre qualidade, é certo. King e o corroteirista Simon Farnaby amenizam a solidão de cem desertos de Wonka recheando a narrativa com flashbacks em que a finada mãe o visita em flashbacks, e Sally Hawkins vira uma fada madrinha do garoto, outra das marcas do arrojo dahliano, temperada com um quê de Charles Dickens (1812-1870) e Hans Christian Andersen (1805-1875). 

O eixo da trama gira em torno da caipirice de Wonka, que chega a uma terra que lembra um híbrido da Londres vitoriana com a Paris pós-Revolução Francesa convicto de que talento e dedicação são suficientes para ascender e realizar o sonho de abrir uma loja de chocolate, mas se depara com gente perigosa do calibre de Slugworth, Prodnose e Fickelgruber, o triunvirato de mafiosos encarnado por Paterson Joseph, Matt Lucas e Matthew Banton, sem mencionar o chefe de polícia corrupto de Keegan Michael Key, que se deixa subornar por bombons finos. Antes, nosso herói leva rasteira da senhora Scrubitt, a estalajadeira falsamente lhana, e seu subordinado, Bleacher; Olivia Colman e Tom Davis compõem uma impagável dupla de cambalacheiros numa espelunca em tudo semelhante a um castelo mal-assombrado, não fosse a precariedade imanente daquilo.

É claro que nada disso importa aqui, mas a amizade de Wonka e Noodle, uma órfã igualmente obstinada e valente, com quem enfrenta dificuldades e goza aventuras, e espantosamente madura, Calah Lane tem seu quinhão no maravilhoso devaneio proposto por King. Chalamet é certeiro ao entoar os versos melosos de “A Hatful of Dreams”, tirando do chapéu esses sonhos que o cinema materializa como nenhuma outra arte, envergando como um rei aquele paletó magenta coçado e fazendo do chapeuzinho de palha a coroa possível, joias do figurino de Lindy Hemming. Queremos todos pertencer a esse Éden açucarado, mesmo que por apenas 116 minutos.


Filme: Wonka
Direção: Paul King
Ano: 2023
Gêneros: Infantil/Musical
Nota: 9/10