Vencedor de 3 Oscars, drama na Netflix levou mais 78 milhões de espectadores aos cinemas e faturou 1,9 bilhão de reais Divulgação / Universal Pictures

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Sam Mendes, em “1917”, desafia convenções tradicionais dos filmes de guerra, evitando as pirotecnias tecnológicas que comumente impressionam outros diretores. O roteiro, coescrito por Mendes e Krysty Wilson-Cairns, se aprofunda em um episódio da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que é, ao mesmo tempo, extraordinário e fiel à realidade brutal, inspirado por uma história contada ao diretor por seu avô. A trama, ao alternar entre o fantástico e o visceral, captura a dualidade da experiência de guerra.

O avô de Mendes, Alfred Hubert Mendes, nasceu em Trinidad e Tobago, de ascendência portuguesa presbiteriana da ilha da Madeira. Escritor de renome no Caribe do século 20, Alfred Mendes teve uma produção literária limitada, mas brilhante. Em 1917, pouco depois de completar vinte anos, ele foi enviado para um dos inúmeros campos de batalha entre Inglaterra e França, onde britânicos e alemães se enfrentavam a poucos quilômetros de distância.

Esse contexto serve como ponto de partida para Sam Mendes criar uma narrativa cinematográfica que, embora grandiosa, é incrivelmente detalhada e pessoal. O filme segue os cabos Blake, interpretado por Dean-Charles Chapman, e Schofield, vivido por George MacKay, soldados comuns que são inesperadamente encarregados de uma missão de extrema importância.

A missão dos dois soldados é comunicar a mudança de planos de um ataque britânico iminente, planejado contra as forças alemãs. O ataque, inicialmente programado para encurralar os alemães, foi identificado pela inteligência britânica como uma armadilha que poderia resultar em um massacre para os soldados do Reino Unido. Com as linhas de comunicação cortadas, Blake e Schofield precisam entregar a mensagem pessoalmente, cruzando um território repleto de perigos para chegar ao destino a tempo.

A jornada dos soldados, perigosa e exaustiva, ecoa a intensidade e o realismo de filmes icônicos como “O Resgate do Soldado Ryan” (1998) de Steven Spielberg e “Apocalypse Now” (1979) de Francis Ford Coppola. “1917” vai além, combinando um realismo brutal com uma história pessoal que, ao mesmo tempo, é grandiosa e introspectiva. O filme não só retrata a carnificina da guerra, mas também destaca como o significado desses eventos sangrentos pode permanecer obscuro, ausente dos livros de história e documentários que muitas vezes simplificam ou glorificam o casamento entre poder, política e forças armadas.

A fotografia de Roger Deakins, colaborador frequente de Denis Villeneuve e dos irmãos Coen, é um destaque à parte, trazendo à vida o mundo devastado pela guerra com uma precisão impressionante. O filme utiliza um plano-sequência falso para criar a ilusão de um único e contínuo movimento de câmera, um feito técnico que contribui significativamente para a imersão do espectador na narrativa. Mendes oferece uma interpretação única de um evento historicamente pouco documentado, mas emblemático, conferindo ao filme o status de um épico de guerra, onde a bravura e a moral dos personagens centrais, que não se identificam com o ambiente hostil ao seu redor, são evidenciadas.

Os paralelos entre “1917” e outros filmes de guerra são inegáveis. A monstruosidade da guerra não destrói a essência dos personagens, ecoando o impacto de “Até o Último Homem” (2016), de Mel Gibson, que explora as zonas sombrias da alma humana. “Nada de Novo no Front” (2022), dirigido por Edward Berger e baseado no romance de Erich Maria Remarque, também é uma referência, sendo uma obra que examina as devastadoras consequências dos conflitos bélicos, tanto para os povos quanto para os indivíduos.

O elenco estelar, que inclui Colin Firth, Mark Strong, Benedict Cumberbatch e Andrew Scott, contribui para a precisão narrativa, onde cada movimento é crucial. “1917” é uma obra que tinha tudo para se perder em meio a tantos outros filmes de guerra, mas graças à direção visionária de Sam Mendes, se destaca como um marco do gênero. A insaciável sede de poder, alimentada por armamentos, cadáveres e tecnologia, permanece uma constante no cenário global, e “1917” serve como um lembrete poderoso dessa realidade inescapável.


Filme: 1917
Direção: Sam Mendes
Ano: 2019
Gêneros: Guerra/Drama
Nota: 9/10