Terror que deveria ter sido estrelado por Joaquin Phoenix, mas se tornou a melhor atuação da carreira de James McAvoy, na Netflix Divulgação / Polygram Entertainment

Terror que deveria ter sido estrelado por Joaquin Phoenix, mas se tornou a melhor atuação da carreira de James McAvoy, na Netflix

Explorar os recessos mais sombrios da mente humana é um desafio que poucos cineastas enfrentam com a maestria de M. Night Shyamalan. Em “Fragmentado”, o diretor utiliza seu talento característico para conduzir o público através de uma jornada psicológica complexa e inquietante, centrada em Kevin Wendell Crumb, um homem que abriga múltiplas personalidades em um único corpo. Este personagem, interpretado magistralmente por James McAvoy, é um enigma ambulante, um mosaico de fragmentos que revelam a tensão entre a racionalidade e o caos.

Shyamalan constrói a narrativa de “Fragmentado” com uma destreza que captura tanto a fragilidade quanto a perversidade da mente humana. Kevin, com suas 23 personalidades distintas, cada uma com suas peculiaridades, idiossincrasias e medos, serve como um veículo para explorar as profundezas da dissociação. McAvoy traz à vida essa multiplicidade com uma intensidade impressionante, alternando entre personagens como Hedwig, uma criança de nove anos com uma mistura de doçura e rebeldia, e Barry, um nova-iorquino de trinta e poucos anos, vaidoso e escravo das tendências. No entanto, é Dennis, a personalidade dominante e mais perigosa, que assume o controle, revelando o terror latente que permeia a psique de Kevin.

A narrativa se desenrola quando Kevin sequestra três adolescentes, entre elas Casey Cooke, interpretada por Anya Taylor-Joy. Casey é uma jovem que, à primeira vista, parece deslocada e introspectiva, mas cuja história de vida conturbada a prepara para o papel crucial que desempenha na trama. A relação entre Kevin e Casey é um dos elementos mais intrigantes do filme, pois Casey, com seu passado marcado por traumas, parece ter uma compreensão intuitiva do sofrimento que Kevin enfrenta. O diretor usa essa dinâmica para explorar o impacto que experiências traumáticas podem ter na formação da identidade e na fragmentação da mente.

O cenário do cativeiro, um quarto subterrâneo e claustrofóbico, torna-se um microcosmo da mente de Kevin, onde suas personalidades travam uma batalha constante pelo controle. Shyamalan utiliza esse espaço para intensificar a tensão e o desconforto, criando uma atmosfera de suspense que mantém o espectador à beira da cadeira. Cada interação entre Kevin e suas vítimas revela mais sobre o labirinto psicológico em que ele está preso, enquanto o público é convidado a questionar o que é real e o que é fruto da imaginação.

A presença da Dra. Karen Fletcher, a psiquiatra de Kevin, interpretada por Betty Buckley, adiciona uma camada de complexidade à trama. Fletcher, que acredita firmemente no potencial das personalidades múltiplas para moldar a realidade, representa a visão de que a mente humana é capaz de feitos extraordinários, tanto para o bem quanto para o mal. Sua tentativa de entender e talvez salvar Kevin é frustrada pelas próprias forças que ela tenta controlar, e sua morte nas mãos de Dennis serve como um lembrete sombrio das consequências de se aventurar profundamente nas trevas da psique humana.

Shyamalan conduz “Fragmentado” com uma narrativa que desafia as convenções do gênero de suspense psicológico, oferecendo ao público não apenas um estudo de personagem, mas uma reflexão sobre a natureza do mal, a luta pela sobrevivência e o poder da mente humana. Ao longo do filme, somos levados a questionar os limites da sanidade e a natureza da identidade, temas que são habilmente entrelaçados na trama. O desfecho, que liga “Fragmentado” ao universo de “Corpo Fechado”, abre novas possibilidades para a narrativa, sugerindo que a história de Kevin é apenas uma peça em um quebra-cabeça maior que Shyamalan está montando.

Com uma performance que beira o virtuoso, James McAvoy torna-se o coração pulsante de “Fragmentado”, carregando o filme com uma energia que é ao mesmo tempo perturbadora e fascinante. Shyamalan, por sua vez, reafirma seu lugar como um mestre do suspense, entregando uma obra que é ao mesmo tempo um thriller psicológico e uma meditação sobre os mistérios da mente humana.


Filme: Fragmentado
Direção: M. Night Shyamalan
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Terror
Nota: 8/10