Ainda não é o fim do mundo, mas a rede elétrica colapsou, o dinheiro só se desvaloriza, as cidades ardem, grassam pestes e pandemias, o calor não dá trégua, falta água, gangues varrem o planeta como gafanhotos, a terra não dá frutos, as pessoas estão envenenadas, tudo morre. A humanidade está fora de controle, precisa de alguém que encarne a bravura e a cólera transformadora e eis que nasce uma garota capaz de enfrentar as crueldades do mundo, como pede o Homem da História. “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, uma das mais sofisticadas prequelas do cinema, diverte sem abrir mão da filosofia, atributo que se pode observar ao longo de todos os reveladores 148 minutos de projeção. George Miller divide o quinto filme da série em capítulos, um mais instigante que o outro, e desfia o mesmo velho enredo de caos, secura, ódios atávicos, natureza implorando por socorro e homens cada vez mais enlouquecidos, o que leva o espectador de volta a 1979, quando Miller encantou o público com sua anárquica distopia cheia dos vaticínios que ainda teimamos em não enxergar.
Num oásis em meio a um imenso deserto, a menina Furiosa colhe pêssegos enquanto um bando de facínoras em motos com engrenagens aparentes estripa um cavalo. Furiosa é capturada por eles, sua mãe, Mary Jabassa, vai em seu socorro, e assim começa mais uma das tão características excursões da franquia por paisagens exuberantes em sua aridez, feitas de dunas sem fim e tempestades de areia. O diretor e seu corroteirista Nick Lathouris usam todos os elementos que aquele cenário lhes oferece, como se compusessem um mosaico gigantesco e vivo em que os personagens entram como as últimas peças. Embora não apareça tanto, Charlee Fraser é imprescindível para que se compreenda aonde Miller quer chegar, isto é, ao antiprofeta Dementus, e nesse ponto a narrativa alinhava o passado de Furiosa, encarnada por Alyla Browne, ao seu futuro, incerto como o de todo o gênero humano.
A versão adulta de Furiosa tarda a dar as caras, mas quando o faz, só dá ela. Melhor de um trabalho para o seguinte, Anya Taylor-Joy emociona com sua visão a um só tempo minimalista e vigorosa da personagem, empurrando o longa para novas fases, direcionadas agora ao núcleo dos vilões. Dementus, com um Chris Hemsworth grotesco numa peruca desgrenhada e uma prótese nasal que não acrescenta nada a sua performance, rouba a cena dando vazão a um tirano depravado e abatido pela insânia, obcecado com um paraíso, que pode ou não existir — mas sobre o qual a tatuagem de um mapa de estrelas no antebraço de Furiosa deixa indícios tentadores. Hermético para muita gente, “Furiosa: Uma Saga Mad Max” é mais um dos gritos de alerta do cinema acerca de nossa finitude mais e mais palpável, alicerçada numa conduta autopredatória inconsequente e sem explicação. E, claro, diverte também.
Filme: Furiosa: Uma Saga Mad Max
Direção: George Miller
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Aventura/Fantasia
Nota: 9/10