Comédia romântica que ficou 25 dias no Top 10 mundial na Netflix, visto por mais de 50 milhões de espectadores Bettina Strauss/Netflix

Comédia romântica que ficou 25 dias no Top 10 mundial na Netflix, visto por mais de 50 milhões de espectadores

O fluir do tempo não garante sabedoria. Sócrates, filósofo grego que viveu entre 470 e 399 a.C., foi um dos primeiros a apontar a insignificância da velhice. Ele afirmava que, à medida que os anos se acumulam, o homem sensato percebe a vastidão de sua própria ignorância. Na juventude, ainda há uma margem de erro, uma vitalidade que permite explorar o desconhecido com entusiasmo. Contudo, à medida que se envelhece, essa chama de curiosidade pode se apagar, deixando a alma menos inclinada a buscar novos horizontes e evoluir espiritualmente.

A morte ronda a humanidade de maneira inevitável, comparável a moscas atraídas por um prato que, embora possa parecer doce, carrega um amargor intrínseco. Antes do inevitável fim, o acaso se insinua na vida de todos, independentemente de sua origem ou crenças. Lidar com o acaso é um desafio diário, uma batalha constante entre evitar suas armadilhas e, ocasionalmente, usufruir de seus raros momentos de generosidade, que, mesmo efêmeros, podem validar uma vida inteira. Para os jovens, talvez o maior risco seja precisamente esse: a capacidade de perceber rapidamente se o inesperado é uma oportunidade a ser aproveitada ou uma ilusão disfarçada, pronta para arrastá-los para as profundezas.

Wanuri Kahiu, cineasta queniana, ganhou notoriedade internacional com o filme “From a Whisper” (2009), laureado com cinco prêmios no African Movie Academy Award, incluindo os de Melhor Filme e Melhor Diretor. Em seu filme de 2022, “Como Seria Se…?”, Kahiu refina seu talento ao apresentar a jornada de uma mulher em busca de autoconhecimento, tomando decisões que, embora justificáveis, podem levar a uma profunda inquietação em um futuro próximo. O longa-metragem lembra “De Caso com o Acaso” (1998), de Peter Howitt, e “Mais ou Menos Grávida” (1988), dirigido por John G. Avildsen.

Entretanto, Kahiu adota uma abordagem mais direta, onde os conflitos são resolvidos com uma frieza calculada. A sensação de déjà vu permeia a narrativa, evocando a ideia de um carrossel onde os acontecimentos parecem se repetir indefinidamente, mesmo que o roteiro habilmente construído por April Prosser sugira a iminência de algo inesperado.

“Como Seria Se…?” explora as diferentes possibilidades na vida de Natalie, uma jovem que sonha em se tornar uma ilustradora e diretora de animações, interpretada com maestria por Lili Reinhart, que combina sutileza e força em sua atuação. A história começa com Natalie recém-formada, projetando sua vida para os próximos cinco anos. Em um ato impulsivo, ela se envolve com seu melhor amigo, Gabe, interpretado por Danny Ramirez, pedindo-lhe que o episódio permaneça apenas uma lembrança e não altere a amizade deles.

Esse é o ponto de partida para que Kahiu introduza o conceito de realidades paralelas: na festa de formatura, Natalie e sua amiga inseparável, Cara, interpretada por Aisha Dee, aguardam o resultado de um teste de gravidez. A tela se divide e, a partir daí, o público é convidado a acompanhar os possíveis caminhos de Natalie, dependendo de suas escolhas — criando o filho sozinha, após recusar o pedido de casamento de Gabe e vivendo na casa dos pais, ou mudando-se para Los Angeles, buscando independência e uma carreira, mesmo sabendo que o sucesso não é garantido.

Em ambas as realidades, Natalie enfrenta desafios e frustrações, mas mantém sua dignidade. Na casa dos pais, vivida por Luke Wilson e Andrea Savage, o ambiente é opressor. Em contrapartida, a vida em Los Angeles rapidamente se revela desafiadora. Logo em sua primeira tentativa de se inserir na superficialidade do universo hollywoodiano, Natalie se vê quase sendo barrada em uma festa, onde ninguém realmente se importa em conhecer o outro. Nesse ambiente, ela se aproxima de Jake, interpretado por David Corenswet, um personagem aparentemente encantador, que acaba se tornando seu namorado. No entanto, os arcos de Jake, Cara e até de Gabe não são suficientemente desenvolvidos.

Prosser foca a narrativa quase que exclusivamente em Natalie, enfatizando suas batalhas contra as dificuldades do mercado de trabalho, especialmente na figura de Lucy, uma aclamada diretora de animações e filmes live action, interpretada por Nia Long, que passa de ídolo a chefe tirânica.

Como esperado, o desfecho é otimista. O filme sugere uma fusão das duas possibilidades para Natalie: ela se torna uma profissional realizada, encontra o amor verdadeiro, enquanto os personagens secundários perdem relevância, o que enfraquece a diversidade da história que parecia promissora. Ainda assim, “Como Seria Se…?” oferece momentos de brilho, com referências a animações icônicas, como “A Viagem de Chihiro” (2001), de Hayao Miyazaki, adicionando profundidade a uma obra essencialmente comercial. Um toque de maturidade, como diria um personagem de outra animação memorável.


Filme: Como Seria Se…?
Direção: Wanuri Kahiu
Ano: 2022
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 8/10