Adaptação de obra literária com 7,5 milhões de cópias vendidas, romance épico está na Netflix Kerry Brown / Netflix

Adaptação de obra literária com 7,5 milhões de cópias vendidas, romance épico está na Netflix

Logo nos primeiros instantes de “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata”, o espectador já intui os desdobramentos da narrativa. Ainda assim, o filme de Mike Newell, com sua simplicidade desarmante e desfecho previsível, consegue manter o público atento até o fim. Newell, conhecido por seu estilo mais tradicional e considerado um dos últimos representantes do classicismo em Hollywood, deixa transparecer essa tendência em seus trabalhos.

Em “Reykjavik” (2012), ele retratou a disputa entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria com um perfeccionismo notável. No entanto, é possível perceber uma conexão entre essa obra e seu filme de 2018, como se “A Sociedade Literária” pudesse ser vista como uma espécie de prólogo ou prelúdio ao que foi apresentado em “Reykjavik”.

O longa-metragem se inicia em 1941, com uma cena de ângulo contra-plongée que captura o esplendor do céu da ilha de Guernsey, situada no Canal da Mancha, entre Inglaterra e França. A chegada dos soldados de Hitler ao local, descrito como um espaço simultaneamente encantador e sombrio, acontece de maneira abrupta e ameaçadora.

Uma patrulha bloqueia a passagem de moradores e inicia um interrogatório que quebra o encanto esperado do roteiro de Don Ross, Kevin Hood e Thomas Bezucha. Tom Courtenay interpreta Eben Ramsey, o chefe dos correios, que reage ao ocorrido de maneira tão genuína quanto justa. A narrativa, então, dá um salto temporal de cinco anos, período em que a Inglaterra está concentrada em sua recuperação após o impacto devastador da Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945.

É nesse contexto que Juliet Ashton, uma escritora londrina que foge ao estereótipo do seu papel, ganha vida através da atuação de Lily James. Observando as ruínas de sua cidade natal, Juliet reflete sobre o que restou enquanto dialoga com seu editor, Sidney Stark, vivido por Matthew Goode, cuja atuação evoca os clássicos Cary Grant e James Stewart. Stark, que vive mergulhado no trabalho e desconectado da realidade, sugere que Juliet alugue um apartamento sofisticado e aceite todos os projetos disponíveis, acreditando que isso alavancaria sua carreira e aproveitaria a recuperação econômica do país. Juliet, entretanto, está mais interessada em compreender a realidade das pessoas comuns em meio àquele cenário de austeridade e decide visitar Guernsey, onde tem mantido uma troca de correspondências, inclusive com Ramsey.

Ao chegar na ilha, Juliet é recebida por pequenas contrariedades que supera sem grandes dificuldades, culminando em um encontro marcante com Ramsey. Esse momento parece predestinado, como se o universo conspirasse para unir esses dois personagens. Ramsey e os demais moradores de Guernsey, embora distantes fisicamente, compartilham uma conexão profunda, tecida pelas experiências vividas e pelos sentimentos expressos através de cartas.

Essas interações adicionam uma camada de profundidade à história, tornando “A Sociedade Literária” uma obra vibrante e cheia de nuances. Juliet fica hospedada com Charlotte Stimple, a única habitante da ilha que não demonstra interesse pelo clube de leitura, fundado por Elizabeth McKenna e que, durante a guerra, foi um refúgio para os membros. Charlotte, interpretada com afeto por Bronagh Gallagher, vê as reuniões literárias como uma perda de tempo e tenta desencorajar Juliet, que, no entanto, não compartilha dessa visão.

Em uma das reuniões da sociedade literária, Juliet descobre que Elizabeth não está mais na ilha. Essa revelação desencadeia uma investigação silenciosa, conduzida apenas em sua mente, e que provavelmente já havia sido antecipada pelo público. A subtrama, que envolve a guerra e a ocupação nazista, é explorada de maneira superficial por Newell, que prefere manter o mistério em segundo plano.

Esse aspecto da narrativa poderia ter sido mais envolvente se a trama se concentrasse mais nas interações de Juliet com os membros do clube e nas descobertas que faz sobre cada um deles. Além disso, o foco nas tertúlias literárias poderia ter enriquecido ainda mais a experiência, destacando a relação de Juliet com os moradores, especialmente com o fazendeiro Dawsey Adams, interpretado por Michiel Huisman. A interação entre Juliet e Dawsey, e o consequente afastamento do diplomata Mark Reynolds, vivido por Glen Powell, era previsível, mas essas escolhas narrativas não diminuem o tom lírico e envolvente do filme.

Newell não teme explorar o sentimentalismo, e “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata” consegue tocar o espectador ao evocar uma época em que acreditar em um futuro promissor era não apenas desejável, mas essencial. Esse sentimento nostálgico faz com que o público mergulhe em uma era onde os sonhos e as esperanças ainda tinham um lugar significativo.

Contudo, a narrativa lembra que, pouco tempo depois, o mundo mergulharia novamente em incertezas, paranoia e conflitos, sinalizando que a humanidade, embora frequentemente olhe para o passado com saudade, raramente aprende com ele. A arte, nesse sentido, continua a ser um espelho das nossas falhas e aspirações, refletindo tanto as misérias quanto as esperanças humanas.


Filme: A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata
Direção: Mike Newell
Ano: 2018
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10