Paul Schrader possui uma predileção evidente por personagens marginalizados. A criação de Travis Bickle, um ex-combatente da Guerra do Vietnã, é um exemplo emblemático disso. Interpretado magistralmente por Robert De Niro, Bickle figura entre os personagens mais icônicos da carreira do ator, que também deu vida a figuras inesquecíveis como o mafioso de “O Poderoso Chefão” (1972), de Francis Ford Coppola, e o criminoso de “Era Uma Vez na América” (1984), dirigido por Sergio Leone.
Em “Taxi Driver” (1976), dirigido por Martin Scorsese, Bickle tenta encontrar algum propósito na vida ao se tornar motorista de táxi, uma escolha motivada tanto pela insônia crônica quanto pelo desejo de afastar o vazio existencial que o consome. Schrader, roteirista do filme, criou um personagem complexo, movido por frustrações, ressentimentos e um certo lirismo sombrio, incapaz de descansar ou de encontrar paz em uma rotina banal. A ociosidade, para ele, é vista como uma falha imperdoável de caráter, refletindo um profundo desajuste com o mundo ao seu redor.
Schrader volta a explorar temas semelhantes em “The Card Counter”, onde nos apresenta William Tell, um protagonista que ecoa o caos interno de Bickle. Tell é um ex-soldado que atuou como torturador em Abu Ghraib, um período de sua vida que deixou cicatrizes profundas e insuperáveis. Embora ele tenha escapado fisicamente do pesadelo da guerra, sua mente continua presa nas memórias traumáticas, que alimentam uma propensão quase incontrolável à autodestruição.
Para mascarar essa tendência, Tell se dedica ao pôquer, um jogo de estratégia que lhe oferece uma falsa sensação de controle e propósito. Tal como Travis Bickle, William Tell é um homem cuja vida segue um caminho tortuoso. Suas tentativas de estabelecer conexões significativas falham continuamente, ressaltando seu isolamento e desalinhamento com a sociedade.
No entanto, Schrader oferece a Tell alguma forma de esperança através de dois personagens que cruzam seu caminho, cada um trazendo uma possibilidade de redenção ou, pelo menos, de companhia em meio ao caos. Assim como em “Taxi Driver”, onde a insanidade é exaltada como uma resposta às realidades de tempos de guerra e de paz, “The Card Counter” propõe uma reflexão sobre a fragmentação do espírito humano.
Oscar Isaac, Tye Sheridan e Tiffany Haddish dão vida a personagens cujas existências danificadas parecem implorar por uma conexão mútua, uma união de destinos que, talvez, possa restaurar algum senso de equilíbrio. Como uma longa noite de pôquer, suas vidas são marcadas por jogadas arriscadas, enganos sutis e a esperança de que, na próxima rodada, o jogo finalmente vire a seu favor.
Filme: The Card Counter
Direção: Paul Schrader
Ano: 2021
Gêneros: Crime/Thriller
Nota: 8/10