“O Retorno da Lenda” é uma produção que foge do convencional desde a sua concepção. Ao contrário do que se espera da maioria dos filmes, este não teve um roteiro como ponto de partida. O que realmente deu origem ao projeto foi a descoberta de uma locação inusitada: uma casa centenária, escondida entre montanhas a cerca de 40 minutos de Nashville. Potsy Ponciroli, o diretor e roteirista, encontrou essa residência enquanto procurava um cenário para um outro filme de sua produtora, a Hideout Pictures. A visão desse lugar remoto inspirou a criação de um faroeste único.
A casa, embora já antiga, passou por uma reconfiguração completa para as filmagens, e o ambiente ao redor — um vasto terreno de mais de dois mil hectares — também desempenha um papel fundamental na narrativa. Ponciroli, conhecido por seu trabalho no cinema independente, firmou uma parceria com a Shout! para realizar “O Retorno da Lenda”. O filme se desenrola inteiramente nesse cenário isolado, com um elenco extremamente enxuto, composto por menos de dez homens e sem a presença de personagens femininas. Embora os detalhes do orçamento não tenham sido divulgados, o retorno financeiro foi modesto, alcançando apenas 42 mil dólares. No entanto, a economia de recursos em nada comprometeu o impacto final da obra.
A trama se constrói de maneira lenta e calculada nos primeiros quarenta minutos, mergulhando o espectador em uma atmosfera de crescente tensão e apreensão. Essa construção gradual dá lugar a uma segunda metade repleta de ação intensa, onde os tiroteios, o sangue e a violência tomam conta da tela. Ponciroli faz uso dos diálogos com extrema parcimônia; cada palavra é meticulosamente escolhida para maximizar o impacto emocional, resultando em conversas breves, mas carregadas de significado.
O suspense é habilmente arquitetado, prendendo o público à trama enquanto revela, aos poucos, os mistérios que cercam os personagens. Em termos de estilo, o filme não se distancia dos faroestes tradicionais, frequentemente centrados em figuras masculinas fortes e endurecidas pela vida. Contudo, o protagonista Henry, interpretado magistralmente por Tim Blake Nelson, desafia alguns estereótipos. Embora o passado de Henry seja envolto em mistério, o personagem demonstra uma profundidade emocional rara. Desde a perda de sua esposa, ele assumiu uma postura pacífica e se dedicou a criar seu filho para ser um homem íntegro e bondoso, em vez de um típico “durão” do Velho Oeste.
A estreia do filme no Festival de Veneza chamou a atenção da crítica. Em entrevistas, Ponciroli relatou que a inspiração para a história veio do momento em que avistou a casa, isolada no meio de um cenário que ele descreveu como assustador. Ele começou a se perguntar como seria viver ali, sozinho, e o que aconteceria se de repente pessoas ameaçadoras aparecessem à sua porta. Esse pensamento foi o catalisador para o enredo que se desenvolveu a partir daí.
No filme, o público é mantido em suspense até o fim, sem saber ao certo quem está falando a verdade e quem está mentindo. A complexidade moral dos personagens torna difícil distinguir entre heróis e vilões, e mesmo após o desfecho, as ações dos personagens continuam a provocar questionamentos. Essa ambiguidade moral é um dos pontos fortes do filme, que apresenta personagens profundos e multifacetados, cada um lutando com dilemas éticos e pessoais.
A narrativa acompanha Henry, um agricultor que vive em uma propriedade rural isolada ao lado do filho, Wyatt, interpretado por Gavin Lewis. Viúvo há dez anos, após perder a esposa para a tuberculose, Henry escolheu aquele local remoto como um esconderijo de seu passado. Sua vida pacífica é interrompida quando encontra um cavalo com manchas de sangue e decide seguir suas pistas, levando-o a um homem gravemente ferido e com uma sacola cheia de dinheiro. Henry decide acolher o estranho e cuidar de seus ferimentos, mas logo é confrontado por um grupo de homens que se identificam como policiais e afirmam estar em busca do desconhecido.
A recusa de Henry em entregar o homem às autoridades desencadeia uma série de eventos devastadores. O grupo cerca a casa e começa um violento confronto, durante o qual a verdadeira identidade de Henry é revelada. Este jogo de mentiras e segredos culmina em um filme surpreendente, cheio de emoções e reviravoltas que prendem o espectador até o último minuto.
“O Retorno da Lenda” é uma obra que certamente agradará aos aficionados por faroestes, especialmente em uma época em que o gênero parece ter caído em desuso. É raro encontrar uma produção que capture tão bem a essência do Velho Oeste enquanto oferece uma narrativa fresca e envolvente.
Filme: O Retorno da Lenda
Direção: Potsy Ponciroli
Ano: 2021
Gênero: Faroeste/Ação/Drama
Nota: 10/10