Nollywood, a novíssima e muito pulsante indústria cinematográfica da Nigéria, parece ter se especializado em histórias com vívido teor moralizante, aplicado de forma quase tão dura quanto a paisagem em que se ambientam. Essas narrativas movem-se da tradição oral para textos de nítida elaboração semiótica, onde cada elemento cumpre uma função bastante específica, nada é gratuito, atores estão ligados ao que se passa em cena de modo umbilical e pode-se enxergar um propósito sutil de educação para além da mera formalidade. Produções como “Tòkunbò” não têm medo de patrulhas de nenhuma espécie, e em sendo assim, o espectador fica seduzido com as inúmeras possibilidades por trás de um filme à primeira vista ligeiro. Reverenciado na Nigéria, Ramsey Nouah dirige este drama existencial instigando em seu talentoso elenco o melhor que cada ator oferece e atento à forma como cada um desempenha seu papel. O resultado é uma trama espantosamente coesa, pela qual o público vai tomando gosto ainda que a princípio não entenda onde aquilo pode dar.
As complexidades mais profundas da existência, cercadas pelos problemas dos quais não nos livramos nunca, uma vez que de tão prosaicos acompanham-nos da promissora aurora ao crepúsculo, lírico em suas cores de morte, assaltam-nos o espírito com maior ou menor força todo santo dia, e tanto pior se, como o lagarto no deserto, empenhamos nossos talentos mais ignominiosamente louváveis quanto a fazer com que nossos predadores suponham que acabou nosso tempo no mundo. A vida só quer de nós aquilo que quase nunca conseguimos dar, como ensinou aquele sertanejo refinado, joia rara que só mesmo o chão profundo de uma terra eternamente sem norte pode gerar. As almas amorfas de homens desde há muito órfãos agradecem a pusilanimidade triste de cada dia, reduto de vulgares pretextos para justificar o passado que nunca passa, o atraso que sempre reina.
Em Seme, um assentamento na fronteira entre a Nigéria e a República do Benin, um chamativo carro de luxo faz a poeira subir do chão, quebrando a placidez da madrugada. Ao volante, Tòkunbò, um ex-morador de Seme que agora vive em Ajara Badagry, no litoral, conduz aquela máquina para Gaza, um poderoso contrabandista temido em todo o país, certo de que essa foi sua última incursão pela marginalidade. Aos poucos, esses dois personagens dão a tônica do roteiro de Todimu Adegoke e Thecla Uzozie, e também são eles que competem pelo centro do palco, protagonizando uma sucessão de crimes que termina em banho de sangue — ao menos até a undécima hora. Tòkunbò sequestra Nike, a filha de Folashade, a diretora do Banco Central da Nigéria interpretada por Funlola Aofiye, para conseguir dinheiro para o transplante cardíaco do filho pequeno. O carisma magnético de Gideon Okeke ameniza uma e outra deficiência técnica, e a batalha final, contra o antagonista de Tosin Adeyemi, comprova: a África chora, mas dá a volta por cima.
Filme: Tòkunbò
Direção: Ramsey Nouah
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Ação
Nota: 9/10