O desafio constante de fazer escolhas que estejam em harmonia com as expectativas da sociedade é uma realidade que todos enfrentamos. À medida que os anos avançam, torna-se cada vez mais essencial parar, respirar fundo e ponderar sobre os rumos que a vida tomou. Inevitavelmente, isso leva a confrontos internos e a uma série de crises de consciência, enquanto se lida com verdades que nem sempre são confortáveis.
Esse dilema é explorado de maneira intensa e estilizada em “Polar”, um filme lançado em 2019 e dirigido por Jonas Åkerlund. Baseado na graphic novel “Polar: Came from the Cold” de Víctor Santos, o filme nos apresenta Duncan Vizla, um assassino de aluguel vivido por Mads Mikkelsen, que se aproxima da aposentadoria após uma carreira longa e sangrenta. Vizla não é o típico herói ou vilão; ele é um homem marcado por seu passado violento e pelas escolhas que o trouxeram até este ponto crítico em sua vida.
A trama do filme é impulsionada por uma regra impiedosa estabelecida pela organização criminosa para a qual Vizla trabalha: assassinos que atingem a marca dos cinquenta anos são dispensados, supostamente para evitar complicações associadas ao envelhecimento, como problemas de visão ou doenças degenerativas. No entanto, em troca, é oferecida uma generosa pensão quase integral, um raro gesto de “gentileza” nesse mundo brutal.
Por muito tempo, poucos alcançaram a idade de aposentadoria, o que significava que o dinheiro permanecia nos cofres da organização, aumentando os lucros. Porém, a sobrevivência de Vizla e de outros atiradores que chegam a essa idade começa a preocupar o chefe da organização, Blut, interpretado por Matt Lucas. Diante disso, Blut trama um plano para se livrar de Vizla, enviando um grupo de assassinos implacáveis liderados por Vivian, interpretada por Katheryn Winnick, com a missão de eliminá-lo.
O que os mandantes não esperavam era que Vizla, com toda sua experiência e astúcia, rapidamente percebesse a armadilha. Ao invés de se tornar uma vítima, ele reverte a situação, aniquilando seus algozes um a um e, ao mesmo tempo, garantindo a recompensa prometida por seus serviços. Assim, Vizla consegue os dois milhões de dólares de sua aposentadoria e se retira para uma vida aparentemente tranquila em Triple Oak, uma cidadezinha isolada em Montana. Ali, em meio à paisagem pacata e longe do radar dos criminosos, Vizla se esforça para reconstruir sua vida. Ele encontra em Camille, sua enigmática vizinha interpretada por Vanessa Hudgens, uma faísca de esperança e a possibilidade de redenção, que parecia tão distante em seu mundo de violência. Contudo, como revelado mais adiante, Camille guarda segredos que adicionam uma camada intrigante de complexidade à narrativa, revelando-se uma peça-chave em uma reviravolta engenhosa do roteiro de Jayson Rothwell.
Embora a premissa central de “Polar” — o matador de elite traído que busca vingança — não seja inovadora, Åkerlund consegue entregar um filme que se destaca por sua ousadia e pela abordagem visual distinta. A cinematografia de Pär M. Ekberg merece destaque, evitando o óbvio e escuro tom sombrio tradicionalmente associado a filmes desse gênero, optando por uma paleta visual que alterna entre o vibrante e o grotesco, de acordo com as exigências narrativas.
Mads Mikkelsen, em mais uma performance marcante, guia o espectador por uma experiência que transita entre o exagero gore e a crueza da pornografia, nunca perdendo a intensidade e a profundidade emocional necessárias para manter o público cativado. Sua atuação transforma o filme em uma experiência sensorial, onde cada cena é meticulosamente construída para despertar os sentidos e manter o espectador imerso na trama.
A participação especial de Richard Dreyfuss, ainda que breve, acrescenta uma camada de profundidade e surpresa ao filme, evidenciando a capacidade de “Polar” de misturar elementos cênicos e narrativos díspares em um coquetel visual e emocional. Ao final, “Polar” pode não ser lembrado como o ápice do cinema de ação, mas sem dúvida se destaca por sua audácia em explorar territórios pouco convencionais, oferecendo ao público uma obra que mescla violência estilizada com uma narrativa que desafia as convenções do gênero.
Filme: Polar
Direção: Jonas Åkerlund
Ano: 2019
Gêneros: Ação/Suspense
Nota: 8/10