Na Netflix: o melhor filme mexicano de 2024, até agora Divulgação / Netflix

Na Netflix: o melhor filme mexicano de 2024, até agora

A sensação de levar adiante um plano cheio de detalhes funestos excita os jovens endinheirados de “Príncipes Perigosos”, uma das tantas histórias sobre o poder e seus vícios. Desigualdade social, corrupção, ganância, policiais ineptos e, o mais importante, a elite apodrecida que toma conta de países onde impera a lei do mais forte refervem num caldeirão onde sempre cabe uma porção ainda maior de intolerância e ódio, movimento imprevisível que não raro acaba em injustiças e sangue. 

O mexicano Humberto Hinojosa Ozcariz escancara as feridas abertas de sociedades as mais diversas, e no caso de seu filme, percebe-se a tendência de precisar em que medida as novas gerações são culpadas pela degenerescência moral que nos assola, o que o roteiro de Santiago Mohar Volcow materializa sob a forma de diálogos vulgares entre filhos e pais (e vice-versa), a ilusão das drogas, a perversão sedutora do jogo e relações mais que líquidas, aguadas — e venenosas.

Vencer as cruentas batalhas que a vida nos impõe logo no princípio das andanças de cada um no mundo demanda de cada um doses maiores ou menores de sacrifício, renúncias e privações, empreitada que nem todos estamos dispostos a bancar. Acontece que há, claro, as muitas circunstâncias em que viver mais parece um jogo, uma brincadeira de crianças travessas. Eventos inesperados, repentinos, trágicos, tudo quanto pode haver de surpreendentemente melancólico e acerbo no fado de uma pessoa se anuncia com toda a delicadeza, como um cancro maligno no organismo até então saudável, ou cai do azul de chofre, derrubando qualquer um que lhe tente deter. 

Arthur Schopenhauer (1788-1860), defendia que a vida era somente uma vontade de vida, isto é, existimos sob a forma de mera sondagem de nossos próprios desejos, em especial dos mais vagos, desconhecidos, lúgubres, monstruosos. Para o filósofo, autor de “O Mundo como Vontade e Representação”, publicado em 1818, o homem não sabe dar azo as suas vontades, e não vai aqui nenhuma possível teoria de Schopenhauer acerca dos malefícios da autorrepressão.

Algum mecanismo autocensor viria a calhar para Xavier. O personagem de Juan Pablo Fuentes é a própria encarnação da ideia contida no título, e no prólogo, depois de um roubo envolvendo Leopoldo, o motorista de sua família, ele aparece confabulando com um amigo acerca de uma estratégia para surrupiar a mala de dinheiro que o padrasto guarda naa fortaleza em que moram. Ozcariz liga o episódio a uma futura incursão dos dois a um cassino ilegal, e daí o eixo da trama volta ao começo, quando um equipe de investigadores comparece à mansão apenas para constar, uma vez que já têm suas suspeitas dirigidas a alguém que é, na realidade, uma vítima de Xavier e seu clã diabólico. Em “Príncipes Perigosos”, a arte imita a vida como ela é, sem espaço para as invencionices do gênero.


Filme: Príncipes Perigosos
Direção: Humberto Hinojosa Ozcáriz
Ano: 2024
Gêneros: Crime/Drama 
Nota: 8/10