Há muitas reviravoltas em “Observadores” — e isso é um problema. O thriller erótico de Michael Mohan se apropria de uma só vez dos elementos hitchcockianos para a condução de bom suspense, o que denota um certo mau gosto, além de deixar o resultado bastante artificial. Felizmente, esses passos vacilantes só surgem no terceiro ato, e até lá é possível tirar bom proveito da história, uma bem-elaborada crítica à tão humana necessidade de aceitação depois de ver que nossa vida não é o mar de rosas que pensamos. Essa certeza instala-se na rotina de Pippa e Thomas, um jovem casal que passa a morar junto num quarteirão descolado de Montreal, no extremo sul do Canadá, e dá de cara com a descoberta que irá marcar suas vidas. Esteticamente impecável, o filme de Mohan é também um primor na edição ousadade Christian Masini, dividida na abertura entre os dois cenários onde a ação se descortina, deixando patente que um grande mistério tomará o palco. O diretor-roteirista tem habilidade o suficiente para revestir de devaneio um conto realista sobre o tédio do casamento, a hipocrisia das relações e a beleza que fere.
Os personagens de Sidney Sweeney e Justice Smith estão a alguns metros de Sebastian e Julia, um fotógrafo e sua esposa ex-modelo chegados a brincadeiras sexuais que se valem de lentes e pouca roupa para acontecer naquele apartamento luxuoso em algum lugar do número 327. As sessões de fotos continuam sem Julia, uma vez que Seb é fotógrafo profissional, e os métodos que aplica com a cônjuge são usados também com todas as outras lindas mulheres com as quais trabalha, e, claro, o expediente é coroado com sexo selvagem na cama do casal. O diretor leva a narrativa para um e outro lado, ora dando a Sweeneye Smith as melhores cenas, ora voltando suas atenções para Bem Hardy e Natasha Liu Bordizzo, depois da abordagem perspicaz sobre o cotidiano dos novos moradores. Aos poucos, as duas subtramas vão se fundindo, e, numa festa à fantasia na casa de Seb e Julia, Mohan arma algumas das surpresas que definem o restante do longa, como um espelho no parapeito da janela, pelo qual, com o auxílio de um laser verde, Pippa e Thomas poderão captar os sons emitidos por aqueles a quem observam. E a partir desse momento, o filme perde a mão.
Nas raras ocasiões em que sai da monotonia dos apartamentos, o diretor explica que Pippa é oftalmologista (a metáfora de fato inventiva aqui), e a absurda imagem de um ovo cozido fatiado com a gema mole fará sentido no desfecho, insinuando desde sempre a cruel punição para um dos casais. Enquanto isso, o longa navega pelas águas serenas da exposição de belos corpos, até que se torna inadiável juntar os fios do novelo. “Observadores” parece uma “Janela Indiscreta” (1954), o clássico de Hitchcock, atualizada com nudez e tecnologia — o que, definitivamente, não é um elogio. Se for verdade o que alegava o crítico e roteirista Roger Ebert (1942-2013), um dos homens que pensou o cinema com mais profundidade, ao dizer que “quase nunca importa sobre o que diz um enredo, mas de que maneira diz”, Michael Mohan (quase) chegou lá.
Filme: Observadores
Direção: Michael Mohan
Ano: 2021
Gêneros: Thriller/Erótico/Suspense
Nota: 8/10