Para quem leva uma vida moderada e moralmente equilibrada, compreender as extravagâncias da alta burguesia pode ser um verdadeiro desafio. Ricos, frequentemente vistos como frívolos e até grosseiros, esses indivíduos costumam adotar costumes que muitas vezes acarretam a degradação de alguém, especialmente daqueles que se encontram em posições mais vulneráveis.
No entanto, no contexto das artes, esses mesmos personagens, inicialmente patéticos, acabam frequentemente recebendo uma dose generosa de compreensão. Com o tempo, essa compreensão pode se transformar em simpatia, e, dependendo da maestria de quem os interpreta, pode até culminar em admiração. Um exemplo clássico disso é o anti-herói de “O Talentoso Ripley”, uma criação de Patricia Highsmith, escritora nascida no Texas.
Seu livro, publicado em 1955, foi um sucesso estrondoso e deu origem a uma série inteira focada nesse personagem intrigante. René Clément capitalizou essa febre em 1960, dirigindo “O Sol por Testemunha”, um filme que, assim como a adaptação posterior de Anthony Minghella, é marcado pela sofisticação tanto na narrativa quanto na estética visual, além de contar com atuações de alto nível. Curiosamente, cinco anos antes de introduzir Ripley ao mundo, Highsmith escreveu “Strangers on a Train”, transformado em “Pacto Sinistro” por Alfred Hitchcock, um dos diretores mais aclamados da história do cinema.
Hitchcock, em várias ocasiões, mencionou este filme como um de seus preferidos. Seja nas páginas de um livro ou na tela grande, os personagens de Highsmith evocam o espírito do dramaturgo francês Molière e sua sátira mordaz da alta sociedade, especialmente com obras como “O Burguês Ridículo”. Ripley, com sua beleza, charme, inteligência e crueldade, é um exemplo perfeito desse tipo de personagem que, apesar de sua natureza pérfida, parece sempre se safar ileso de suas tramoias.
Na versão de Anthony Minghella para o cinema, a narrativa inicia de forma diferente da de Clément. Ripley e Dickie Greenleaf, a quem Ripley eventualmente transformará em vítima, começam em contextos completamente distintos. Ripley é um intruso em uma festa elegante em Manhattan, usando um paletó emprestado, enquanto Dickie, por razões inicialmente obscuras, desfruta da vida na Europa. É durante essa festa que um casal de milionários se aproxima de Ripley, movido por uma curiosidade que só seria crível em uma trama como essa.
A partir desse encontro, Ripley é convidado a viajar para a Europa, com todas as despesas pagas, e buscar o filho do casal, agora que os perigos aparentes foram deixados para trás. Além das despesas cobertas, Ripley ainda recebe a oferta de mil dólares pelo incômodo. Se essa proposta fosse feita no mundo real, certamente despertaria desconfiança nos olhos de pais minimamente cuidadosos.
No entanto, a essa altura da narrativa, o diretor de fotografia John Seale e o editor Walter Murch já conseguiram capturar a atenção do público. Em um corte rápido, somos transportados para uma praia na Itália, onde Dickie e sua namorada, Marge Sherwood, desfrutam das inúmeras vantagens proporcionadas pela riqueza. A química entre Jude Law, que interpreta Dickie, e Gwyneth Paltrow, como Marge, é palpável. No entanto, curiosamente, é a relação entre Law e Matt Damon, que interpreta Ripley, que parece ser o verdadeiro ponto de tensão emocional.
Essa percepção, porém, é abalada quando Ripley revela sua verdadeira natureza, unindo-se apenas a si mesmo em sua busca assassina por um espaço no mundo onde possa materializar seus devaneios de grandeza. Suas interações com outros personagens, como Peter Smith-Kingsley, interpretado por Jack Davenport, e Meredith Logue, vivida por Cate Blanchett, demonstram claramente sua psicopatia. Blanchett, com sua interpretação precisa, encarna a mistura perfeita de classe e pretensão que seu papel exige, reiterando a natureza manipuladora e fria de Ripley.
A visão de Highsmith sobre a decadência moral de uma elite superficial e egoísta se revela quase profética, antecipando uma realidade que só se tornou mais evidente com o passar das décadas. Minghella captura a essência inquieta da obra da escritora, convidando o público a odiar Ripley genuinamente – uma tarefa que, sejamos francos, não é das mais fáceis. Afinal, dentro de cada um de nós, há um Ripley pronto para emergir, esperando apenas a oportunidade certa para revelar seus verdadeiros desejos, muitas vezes por recompensas bem menos extraordinárias do que aquelas buscadas por seu homônimo literário.
Filme: O Talentoso Ripley
Direção: Anthony Minghella
Ano: 1998
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10