Não há nada mais corriqueiro na vida do homem do que a própria banalidade, uma batalha perdida que insistimos em travar com os fantasmas menos óbvios que habitam nossas profundezas mais inacessíveis. Todos os dias pensamos — uns mais, outros menos, mas todos, sem exceção — sobre se é possível voltarmos ao que um dia fomos. As figuras caóticas de “Emma e as Cores da Vida” cativam porque simples, quase óbvias em seus meandros insondáveis, e Silvio Soldini é um mestre em nos fazer descobrir tons inusitados em histórias de amores que não se contentam com a realidade e avançam pelo delírio, nos levando à conclusão de que a vida é mesmo sonho, como escreveu Pedro Calderón de la Barca (1600-1681).
Perdemos horas de descanso, que costumam se estender para o expediente de trabalho, elucubrando, tecendo digressões as mais insanas acerca de como teria sido nossa jornada se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão a respeito de tal ou qual assunto; uma energia poderosa é gasta com meditações vagabundas, que embora absorventes não resistem à chama da vida ardendo lá fora, sobre o que seríamos se não fôssemos o que nos tornamos e, como todo incômodo sempre pode maltratar um pouco mais, não tarda e nos deixamos sumir no labirinto de desvario que nos entontece, cheio das passagens que guardam os mistérios que nunca haveremos de revelar nem para nós mesmos. Ao termo de tanto autossacrifício, depois do sofrimento sem trégua que devotamos em nos aplicar com gosto, chegamos ao fim de um caminho que não dá em parte em alguma, carregados de muito mais indagações que quando do princípio da travessia, sem saber ao certo o que desejamos. E extenuados de todo.
Estamos todos à procura de nosso lugar no mundo, a maioria com todos os atravancos, dando com a cara na porta e quebrando a cabeça até ou serem aceitos ou se persuadirem de que alguma coisa definitivamente não se encaixa e é mister continuar essa busca noutra parte. Frequentemente, chega-se a tal entendimento não sem muita dor e depois de um tempo impressionantemente longo, mas há as situações em que, mantidos o pesar e a angústia, o tempo colabora e, feito se fosse uma tormenta de dimensões sobrenaturais que cede como que por encanto ao cabo de horas e horas de terror, alguma solução começa a se desenhar no horizonte.
Exercitando uma confiança na vida que beira o desespero, o homem se deixa guiar por esses sinais, convicto de que os dias de busca e de dúvida estão em seus estertores e, então, merecidamente, virá não o final feliz dos contos de fadas, mas um recomeço, árduo, como todo recomeço, mas igualmente cheio de possibilidades. Só assim se pode explicar a razão do fascínio de um homem como Teo por Emma, os personagens de Valeria Golino e Adriano Giannini, um mulherengo e uma mulher que é a sensibilidade encarnada, talvez por privada da visão. E malgrado a prudência nos recomende poupar a alegria e não cantar vitória antes de tudo muito bem amarrado, torcemos pelos dois e o peito se enche daquele sentimento sem nome, mas que qualquer um é capaz de identificar tão logo o sinta, e a vontade de vê-los juntos é simplesmente incontrolável. E assim se dá.
Filme: Emma e as Cores da Vida
Direção: Silvio Soldini
Ano: 2017
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10