Com 99% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes, filme de Greta Gerwig é melhor que ‘Barbie’ e está na Netflix Merie Wallace / A24

Com 99% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes, filme de Greta Gerwig é melhor que ‘Barbie’ e está na Netflix

O que faz de “Lady Bird: A Hora de Voar” um marco na carreira de Greta Gerwig é a capacidade da diretora de transmutar suas próprias experiências em uma narrativa que ecoa a inquietude e o desejo de pertencimento que definem a juventude. Gerwig constrói um retrato detalhado e sensível de Christine McPherson, uma adolescente que, tal como a própria cineasta, cresceu na aparentemente tediosa Sacramento. Ao longo do filme, observamos uma jornada de autodescoberta, marcada por um profundo anseio de fugir de uma cidade que, na visão da protagonista, parece limitar suas ambições e sonhos.

Assim como Joan Didion, outra filha ilustre de Sacramento, Gerwig canaliza suas vivências para dar vida a uma personagem que luta contra a monotonia de sua origem, mas que, aos poucos, começa a perceber as nuances e as complexidades que antes ignorava. Didion, conhecida por seu olhar aguçado sobre a cultura americana, explorou em seus textos o lado sombrio da Califórnia, frequentemente pintada como o ápice do hedonismo. Gerwig, por sua vez, resgata essa herança literária e a transforma em cinema, explorando o crescimento em um ambiente que, à primeira vista, parece desprovido de encanto.

Christine, que insiste em ser chamada de Lady Bird, representa a inquietude adolescente em sua forma mais pura. A protagonista, interpretada de maneira magistral por Saoirse Ronan, desafia não apenas as expectativas de sua família e amigos, mas também suas próprias percepções sobre o que é necessário para encontrar a felicidade. O relacionamento conturbado com a mãe, Marion, interpretada por Laurie Metcalf, serve como um espelho para as inseguranças e os medos que assombram Lady Bird. A dinâmica entre mãe e filha é um dos pilares do filme, revelando as tensões universais que permeiam a transição da adolescência para a vida adulta.

O filme não se limita a uma simples narrativa de amadurecimento. Gerwig infunde seu roteiro com uma rica tapeçaria de referências culturais e literárias que elevam a história a um nível superior. Em uma das cenas mais emblemáticas, Lady Bird e Marion ouvem um trecho de “As Vinhas da Ira” de John Steinbeck, um clássico que, assim como o filme, explora o desespero e a resiliência do espírito humano. Essa escolha não é acidental; ela ressalta as raízes profundas de uma Califórnia que vai além dos estereótipos ensolarados, tocando nas complexidades de uma terra que abriga tanto o sonho quanto o desespero.

A performance de Ronan é complementada por um elenco de apoio que adiciona camadas adicionais à narrativa. Lucas Hedges e Timothée Chalamet interpretam os interesses amorosos de Lady Bird, cada um representando diferentes aspectos da busca da protagonista por identidade e propósito. A relação com Danny O’Neill, interpretado por Hedges, revela as desilusões que muitas vezes acompanham os primeiros amores, enquanto Kyle Scheible, vivido por Chalamet, introduz Lady Bird a uma realidade que desafia suas idealizações juvenis. Ambos os personagens servem como catalisadores para o crescimento da protagonista, forçando-a a confrontar suas próprias expectativas e desejos.

No centro de “Lady Bird” está o dilema universal do desejo de escapar versus a necessidade de aceitar. Lady Bird quer desesperadamente deixar Sacramento, ansiando pela vida vibrante de Nova York, mas sua jornada a ensina que o valor de suas raízes não pode ser subestimado. A cidade que uma vez considerou opressiva revela-se, no fim das contas, um lugar onde amor e sacrifício andam de mãos dadas, onde as relações humanas ganham significado profundo.

Greta Gerwig, ao criar “Lady Bird”, não apenas compartilha sua história pessoal, mas também oferece uma reflexão sobre as complexidades do crescimento, sobre como nossos ambientes nos moldam e como, às vezes, é preciso olhar para trás para entender quem realmente somos. O filme é uma obra delicadamente construída, onde cada diálogo, cada interação e cada silêncio contribuem para um retrato autêntico e comovente da adolescência, mostrando que, por mais que tentemos escapar de nossas origens, elas sempre farão parte de quem somos.


Filme: Lady Bird: A Hora de Voar 
Direção: Greta Gerwig 
Ano: 2017 
Gêneros: Comédia/Romance/Coming-of-age 
Nota: 10