Visto por 85 milhões de pessoas nos cinemas, suspense que arrecadou 1,7 bilhão de bilheteria está na Netflix Jonny Cournoyer / Paramount Pictures

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O filme “Um Lugar Silencioso”, dirigido por John Krasinski, se destaca por evitar o tradicional susto fácil, optando por uma abordagem que envolve o espectador de forma mais sofisticada. Krasinski confia na inteligência do público, recusando-se a ceder a fórmulas previsíveis, e com isso, desafia o espectador a elevar suas expectativas, especialmente em relação a filmes de terror. O roteiro, co-escrito por Krasinski com Bryan Woods e Scott Beck, narra a trajetória de uma família que luta para sobreviver em um mundo devastado pela invasão de criaturas altamente sensíveis ao som.

Krasinski interpreta Lee Abbott, o pai, uma figura que, embora central, se mantém discreta na trama. Ao seu lado, Evelyn, vivida por Emily Blunt (que é casada com Krasinski fora das telas), e seus três filhos: Marcus, interpretado por Noah Jupe; Regan, por Millicent Simmonds; e o caçula, interpretado por Cade Woodward. Juntos, eles enfrentam a necessidade de permanecer em completo silêncio, uma vez que qualquer som pode atrair os predadores que agora dominam o planeta. A personagem Regan, que é surda, vivida pela talentosa Simmonds (também surda na vida real), traz uma camada extra de autenticidade ao filme, inserindo um toque de realismo fantástico que eleva a narrativa.

O filme se inicia de forma impactante, com uma tela preta que indica o dia 89 após o surgimento dos monstros. A sequência inicial é marcada por uma atmosfera de abandono, acentuada pelo silêncio quase absoluto, quebrado apenas pelo som do vento que corta o ambiente desolado. A família Abbott se move cautelosamente entre os escombros de um mercado, em busca de alimentos e remédios para tratar a gripe de Marcus.

Apesar de toda a precaução, comunicando-se por linguagem de sinais — uma habilidade adquirida por causa da deficiência auditiva de Regan — um pequeno deslize coloca todos em perigo. A ênfase na necessidade de silêncio absoluto, uma questão de vida ou morte, torna-se uma obsessão para Krasinski. Os sobreviventes andam descalços pela cidade, levantando dúvidas sobre se Lee, o patriarca, estaria sucumbindo à paranoia, temendo perigos que podem já ter sido neutralizados, ou que, pelo menos por enquanto, estão ocupados em outras áreas. Apesar dessas incertezas, Lee continua sua peregrinação, seguido pela família, todos descalços, em uma jornada que evoca a busca de Abraão pela terra prometida. O tempo passa, e um ano se esvai.

Essa transição temporal não traz alívio, apenas novos desafios. Evelyn, agora grávida e prestes a dar à luz, enfrenta todas as ansiedades típicas de uma mulher em seu estado, agravadas pelas circunstâncias excepcionais em que se encontra. A incerteza sobre o futuro é palpável: será que algum dia a vida voltará ao que era antes? Quanto tempo mais terão que esperar? Vale a pena continuar? Enquanto Evelyn lida com essas questões, Lee persiste em suas pesquisas, examinando jornais e estudos científicos em busca de uma pista que sugira a possibilidade de vencer os invasores e restaurar a paz de outrora, agora relegada a uma memória cada vez mais distante.

A ideia de criaturas monstruosas que tomam o controle de territórios outrora dominados pelo ser humano é um tema recorrente no cinema. Desde o final dos anos 1970, esse tipo de narrativa se tornou uma constante, e com o avanço da tecnologia, os roteiros se tornaram cada vez mais ousados. No caso específico de “Um Lugar Silencioso”, a aversão das criaturas ao som — e, por extensão, a qualquer forma de comunicação — já foi abordada em outras produções icônicas do século 20. Um exemplo notável é “Duna” (1984), dirigido por David Lynch, que explorou essa temática de maneira profundamente perturbadora. Assim como “Duna”, que foi reeditado em 2021 sob a direção criteriosa de Denis Villeneuve, o filme de Krasinski se destaca pela sua originalidade.

Observadores mais atentos podem perceber, na versão de Villeneuve, referências claras ao desprezo do ser humano pelo mundo, uma grande casa que desmorona por falta de cuidado e pelo uso inadequado de suas comodidades; à indiferença ao outro, especialmente àqueles que não possuem todos os sentidos em pleno funcionamento; e à união familiar como uma condição vital para a sobrevivência em tempos de adversidade. Sem apelos moralistas, Krasinski oferece uma obra marcada por refinamento estilístico e intelectual, demonstrando um domínio maduro da arte cinematográfica.

Filmes de terror são um veículo eficaz para que o ser humano explore cenários hostis de um futuro potencialmente irreconhecível, antecipando soluções e estratégias para enfrentar desafios que ameaçam sua sobrevivência. “Um Lugar Silencioso” é exatamente isso: uma narrativa aterrorizante em que os monstros, por mais assustadores que sejam, são apenas um detalhe em um mundo onde o silêncio é a única salvação.


Filme: Um Lugar Silencioso
Direção: John Krasinski
Ano: 2018
Gêneros: Terror/Ficção científica
Nota: 8/10