Quando a produção de lixo não biodegradável de 36 pessoas, ao longo de quatro anos, resulta em menos de meia sacola de resíduos, é inevitável refletir sobre a eficácia de tal “milagre” e o que seria necessário para expandir essa revolução a nível global. Porém, com o desenrolar de “Pequena Grande Vida”, percebe-se que essa questão é mais complexa do que aparenta. Conforme o diretor Alexander Payne desmonta o cenário de cientificismo que marca as cenas iniciais, surge uma instigante reflexão sobre os sentimentos mais primordiais que habitam a alma humana, muitas vezes avessa a padrões rígidos.
Alexander Payne, nascido e criado em Nebraska, no centro-norte dos Estados Unidos, tem uma predileção por retratar personagens singulares e exóticos, cuja essência mágica reside no que o público considera verdadeiramente admirável nessas figuras. Isso é exemplificado novamente em seu recente trabalho, “Os Rejeitados” (2023).
O roteiro, escrito por Payne e Jim Taylor, envolve-se em reviravoltas intelectuais, flertando com a ideia de um “novo homem” — e ocasionalmente abusando de clichês já consolidados no próprio cinema sobre o tema —, mas avança no momento certo para o que realmente importa: o sonho de um homem em alcançar o que deveria permanecer no reino das possibilidades inatingíveis.
Matt Damon tem se destacado na arte de interpretar personagens ambíguos — aqueles indivíduos que, apesar de comuns, são únicos; tediosos, mas repletos de complexidade — que adicionam um tempero especial a qualquer narrativa. Ele demonstrou essa habilidade em “AIR: A História Por Trás do Logo” (2023), dirigido por seu amigo Ben Affleck, onde interpretou Sonny Vaccaro, um caçador de talentos da Nike nos anos 1980, com a mesma desenvoltura com que um toureiro avança em direção ao centro da arena.
No caso de Paul Safrânek, um terapeuta ocupacional de Omaha, interpretado por Damon, e sua esposa-assistente Audrey, vivida por Kristen Wiig, o casal se encontra em desespero, em busca de uma solução definitiva para hipotecas intermináveis, dívidas de cartões de crédito inflacionadas por juros exorbitantes e a constante corrida por sucesso, onde competem incessantemente com rivais mais jovens, dedicados e ambiciosos.
A resposta parece estar em Leisureland, uma nova Pasárgada de proporções diminutas, onde todos são amigos do “rei” e têm acesso aos sonhos que desejarem. O argumento central do texto de Payne e Taylor se desenvolve, tal como o próprio protagonista, à medida que Paul descobre que abandonar sua antiga vida, cheia de problemas gigantescos, talvez não tenha sido a decisão brilhante que ele imaginava.
Payne explora essa decepção nas cenas em que o anti-herói conhece Ngoc Lan Tran, uma faxineira vietnamita a serviço de Dušan Mirkovic, possivelmente o único residente de Leisureland que realmente encontrou a opulência prometida pela propaganda. Agora, medindo menos de treze centímetros, Paul — cuja transição para uma nova existência é também abordada no segundo ato — embarca numa nova jornada, auxiliando Ngoc Lan em um desafio que remete à sua difícil vida como refugiada.
O trio central formado por Damon, Hong Chau e Christoph Waltz é, sem dúvida, o ponto alto de “Pequena Grande Vida”. De maneira quase inadvertida, Payne transforma Paul Safrânek em um novo George Bailey, evocando comparações com “A Felicidade não se Compra” (1946), o clássico de Frank Capra.
Mesmo que essa comparação seja um tanto forçada, é impossível ignorar as semelhanças entre Safrânek e Bailey, o everyman imortalizado por James Stewart. Ambos sonham, cada um à sua maneira, e ambos realizam seus sonhos, cada qual de forma distinta. Talvez seja essa a pequena grande vida que realmente importa, onde a felicidade não tem preço.
Filme: Pequena Grande Vida
Direção: Alexander Payne
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Fantasia/Ficção científica
Nota: 8/10