Assistido por 45 milhões de pessoas, o filme mais surpreendente da Netflix Divulgação / Netflix

Assistido por 45 milhões de pessoas, o filme mais surpreendente da Netflix

Sitisiri Mongkolsiri, em “Fome de Sucesso”, concebe a cozinha de um restaurante de alta gastronomia como um microcosmo de tirania, onde a busca pela perfeição esmaga qualquer vestígio de individualidade ou humanidade. Neste espaço asfixiante, a democracia não apenas perde sua relevância, mas torna-se um fardo a ser evitado. Embora a obra dialogue com outros filmes que exploram as complexidades e as sombras da culinária profissional, como “Pegando Fogo” (2015) e “O Menu” (2022), a interpretação única de Mongkolsiri confere um frescor amargo à narrativa, convidando o espectador a adentrar um universo onde o poder se disfarça de arte e o sucesso, de sacrifício.

Chutimon Chuengcharoensukying, com sua presença enigmática e olhos que escondem mais do que revelam, entrega uma performance magistral como Aoy, uma jovem que se vê transportada do modesto restaurante dos pais para o ambiente opressor e glamoroso de um dos restaurantes mais prestigiados do mundo. O roteiro de Kongdej Jaturanrasmee habilmente contrasta o luxo decadente de uma elite que devora lagostas com as mãos com a rotina extenuante de Aoy, cuja vida se resume a pratos de pad see ew e sonhos sufocados. O convite para integrar a equipe do chef Paul aparece como uma luz ilusória em meio à escuridão, um farol que promete libertação, mas que na verdade, revela-se apenas mais um teste brutal de resistência.

O encontro entre Aoy e Paul transcende a mera tensão esperada; é uma colisão de mundos, onde cada gesto, cada palavra, ressoa com um significado profundo. Nopachai Jayanama, no papel de Paul, eleva a dinâmica para além de gritos e ordens severas, criando uma atmosfera de intensidade quase palpável, onde o menor erro pode custar mais do que a carreira, pode custar a alma. Aoy, fascinada e aterrorizada ao mesmo tempo, enfrenta desafios que exigem não apenas habilidade técnica, mas uma resiliência que ela mesma desconhecia possuir. Quando é desafiada a cortar e fritar fatias finíssimas de wagyu em um tempo que desafia o possível, as labaredas que irrompem do fogão simbolizam não apenas a pressão do momento, mas também a transformação interna que a jovem atravessa, enquanto suas ambições e medos se entrelaçam num jogo perigoso.

À medida que o filme avança, Mongkolsiri mergulha com mais profundidade na sátira que permeia a narrativa, expondo com precisão cirúrgica as perversões e os vazios existenciais da elite abastada. O jantar na casa de um general, uma figura quase mítica no contexto tailandês, exemplifica essa crítica, onde a abundância e o excesso revelam não a opulência, mas a fome insaciável de uma classe que, quanto mais consome, mais se torna prisioneira de sua própria voracidade. “Fome de Sucesso” não é apenas uma reflexão sobre o mundo da alta gastronomia, mas um espelho que reflete as distorções de uma sociedade obcecada pelo sucesso a qualquer custo, onde a verdadeira fome não é por comida, mas por significado.


Filme: Fome de Sucesso
Direção: Sitisiri Mongkolsiri
Ano: 2023
Gênero: Drama
Nota: 9/10