Filme de Julia Roberts na Netflix, visto por 125 milhões, ficou 8 semanas entre os mais assistidos do mundo JoJo Whilden / Netflix

Filme de Julia Roberts na Netflix, visto por 125 milhões, ficou 8 semanas entre os mais assistidos do mundo

Nos trabalhos de Sam Esmail, a sensação de um apocalipse iminente é quase palpável. “O Mundo Depois de Nós” exemplifica essa tendência, abordando temas que, ao que tudo indica, se tornarão cada vez mais frequentes nas telas, ainda que corram o risco de saturar o público. Esmail, um dos poucos diretores capazes de combinar de forma eficaz a autodestruição humana com questões sociais contemporâneas, destaca-se ao abordar de maneira crua e sem rodeios o racismo, um termo que deveria ter sido erradicado pela sua própria irracionalidade. Ciente de que renomear problemas sem enfrentá-los é inútil, Esmail opta por uma abordagem incisiva, quase militante, amplificando a voz crítica de Rumaan Alam, autor do romance que deu origem ao filme. O resultado, sem dúvida, provoca uma forte reação.

Amanda Sandford representa o niilismo que parece permear a nossa época. De início, nada sugere que ela despreza a vida que leva em um luxuoso apartamento no Brooklyn, ainda que suas paredes desbotadas e marcadas por sulcos incômodos revelem um certo desagrado. No entanto, sua confissão de desprezo pelas pessoas que trabalham para melhorar o mundo e a si mesmas, proferida em um monólogo frio e calculado, não surpreende tanto quanto deveria. Julia Roberts domina a cena durante os 138 minutos de duração do filme, com um olhar perdido e cínico que antecipa os momentos finais da narrativa de Esmail.

A fotografia de Tod Campbell, luminosa e cuidadosamente planejada, mantém a tensão narrativa longe do grotesco, enquanto Roberts se encarrega de transmitir a essência do texto. Quando Amanda anuncia ao marido, Clay, interpretado por um Ethan Hawke quase supérfluo, que alugou um palacete em Long Island para um fim de semana em família, fica claro que sua sanidade está em xeque. Clay, inexpressivo, é relegado a um papel secundário, enquanto Amanda assume o controle absoluto, até mesmo sobre questões que deveriam ser de sua alçada.

Poucas horas após a chegada da família, enquanto tomam sol em uma praia próxima, um navio cargueiro afunda. Antes disso, o Wi-Fi da mansão já havia caído, e Esmail vai construindo lentamente a sensação de catástrofe iminente. Seu sarcasmo afiado explora as absurdas teorias da conspiração que surgem com força crescente, até que o humor sombrio dá lugar a reflexões mais duras, de forma não exatamente sutil. Ao anoitecer, um homem negro e sua filha chegam à casa, alegando ser os verdadeiros proprietários, retornando às pressas devido a um apagão persistente em Nova York que mergulhou a cidade no caos.

Amanda duvida de toda a história, especialmente da alegação de que um negro poderia ser o dono da propriedade, mas G.H. Scott, interpretado por Mahershala Ali, permanece imperturbável. A interação entre Ali e Roberts é intensa, com Amanda cedendo lentamente, embora relutante e claramente presa a seus preconceitos, sempre justificando suas ações como proteção à família. Ruth, a filha de Scott, herda a delicadeza e firmeza do pai, com Myha’la Herrold trazendo à tona essa autoridade de maneira impressionante. Misturando elementos de “Não Olhe para Cima” (2021), de Adam McKay, e as obras de Jordan Peele, “Corra!” (2017) e “Não! Não Olhe!” (2022), o filme culmina em um final que lembra o episódio derradeiro de uma série, onde a humanidade exibe seu lado mais tragicômico.


Filme: O Mundo Depois de Nós
Direção: Sam Esmail
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10