O filme da Netflix que é um diamante para os olhos e a alma (e que você provavelmente ainda não assistiu) Divulgação / Netflix

O filme da Netflix que é um diamante para os olhos e a alma (e que você provavelmente ainda não assistiu)

Abandonar o lugar de origem, onde se aprenderam os primeiros passos, amores, tristezas, e também fracassos, para tentar a sorte em terras distantes e mais áridas, mas também potencialmente mais promissoras, é um ato que transforma qualquer pessoa em um eterno estrangeiro na própria vida. Carregar consigo apenas coragem e determinação, ciente de que a empreitada pode fracassar e forçá-lo a retornar ainda mais desiludido, é uma experiência dolorosa. Surge um ressentimento silencioso com a terra natal, que embora distante, ainda desperta algum afeto. Como em um retrato empoeirado na parede, essas memórias evocam reflexões sobre o que poderia ter sido diferente.

Alan Yang experimentou esse sentimento de desajuste, exacerbado pela falta de redes sociais e a desinformação que alimentava preconceitos. Inspirado nas experiências de seus pais imigrantes, Yang escreveu e dirigiu “Tigertail”, sua estreia em longas-metragens. O filme, carregado de lirismo e marcado por sua visão pessoal, reflete sobre o impacto de viver em um país que nunca será verdadeiramente seu. A história de Peter, que trocou Taiwan pelo Bronx em busca de uma vida melhor, ressoa com o sentimento de deslocamento e as dificuldades de adaptação. A narrativa, que alterna entre o presente e o passado, destaca o sacrifício e a solidão enfrentados por aqueles que deixaram tudo para trás, mas nunca conseguiram se desvencilhar completamente de suas origens.

Embora as vidas de Peter e o protagonista de “Tigertail” tenham semelhanças, cada uma possui suas peculiaridades. Pin-Jui, vivido por Tzi Ma, deixa Taiwan com algumas garantias e não está sozinho. A narrativa se inicia com o jovem Pin-Jui correndo pelos campos de arroz, em uma sequência visualmente rica que remete ao estilo de Ang Lee. Essa cena estabelece a base emocional para a jornada do protagonista, que, mesmo após mudar de país, nunca abandona completamente o conselho de sua avó de nunca chorar em público. Essa recomendação, aparentemente simples, molda sua vida de maneira profunda e ambígua, influenciando suas escolhas e seu relacionamento com o mundo ao seu redor.

O roteiro suaviza a solidão de Pin-Jui inicialmente ao apresentar a proposta de casamento de seu chefe, que visa unir o jovem operário a sua filha Zhenzhen, garantindo-lhe uma passagem para os Estados Unidos. Mesmo tentado pela proposta, Pin-Jui continua apaixonado por Yuan, cuja presença no filme é um ponto alto, especialmente na cena à beira do rio, onde o casal se entrega ao amor. Essa sequência evoca um sentimento nostálgico e transporta o espectador para momentos de juventude, onde as emoções eram intensas e os sonhos, palpáveis.

O casamento de Pin-Jui e Zhenzhen, como era de se esperar, não dura muito, e no terceiro ato de “Tigertail”, Yang explora a complexa relação entre o protagonista e sua filha Angela, que cresceu nos Estados Unidos. Embora bem-sucedida profissionalmente, Angela lida com uma instabilidade emocional que reflete a distância e o desencontro com seu pai. Através de flashbacks, Yang revela os traumas e as expectativas frustradas que moldaram essa relação, destacando o fardo que Pin-Jui carrega por ter sacrificado tanto para chegar onde está, mas sem nunca conseguir superar as barreiras emocionais que o separam de sua filha.

O desfecho do filme, onde pai e filha finalmente encontram algum entendimento, fecha um ciclo iniciado décadas antes. Apostando na ideia de que o destino é implacável e moldado pelas escolhas de cada um, “Tigertail” emerge como uma poderosa narrativa épica dentro do cinema asiático contemporâneo. Com um pouco mais de cuidado na escolha do elenco, Alan Yang tem o potencial de se tornar uma figura icônica, comparável aos grandes mestres do cinema mundial.


Filme: Tigertail  
Direção: Alan Yang
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 9/10