Baseado em livro traduzido para mais de 15 idiomas e com 100 milhões de cópias vendidas no mundo todo, filme está na Netflix Claudia Cruz Barigelli / Netflix

Baseado em livro traduzido para mais de 15 idiomas e com 100 milhões de cópias vendidas no mundo todo, filme está na Netflix

Pode a ternura entre pai e filho florescer em um ambiente tão sombrio quanto o narcotráfico? “Festa no Covil” aborda essa questão ao explorar os dilemas de um pai criminoso que, mesmo imerso no submundo das drogas, tenta proteger o filho das influências nefastas de sua própria vida. Dirigido por Manolo Caro, o filme é uma adaptação do romance homônimo do autor mexicano Juan Pablo Villalobos, lançado em 2010. Com uma narrativa que flerta com o realismo mágico de Gabriel García Márquez, Caro constrói uma trama que, embora se situe no universo do tráfico, evita o óbvio ao destacar a tensão entre o luxo ostensivo e a violência latente que cerca os personagens.

O protagonista, Yolcaut, interpretado com maestria por Manuel García-Rulfo, é um gângster que se empenha em criar uma bolha de segurança ao redor de seu filho, Tochtli, mantendo-o isolado da realidade brutal que sustenta o estilo de vida luxuoso que ambos desfrutam. A dualidade da inocência infantil em contraste com a criminalidade adulta é o cerne da história, onde a perspectiva de Tochtli, uma criança de inteligência aguçada, mas alheia à verdadeira natureza do mundo ao seu redor, gera uma tensão constante. O roteiro de Nicolás Giacobone, conhecido pelo seu trabalho em “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” (2022), explora essa dicotomia de forma complexa, balançando entre o absurdo e o trágico, o que resulta em uma narrativa ao mesmo tempo surreal e profundamente humana.

A relação entre Yolcaut e Tochtli é retratada com nuances que desafiam as percepções tradicionais de moralidade. O filme não se limita a criticar o narcotráfico ou a glorificar seus personagens, mas sim a expor a fragilidade das relações humanas em meio a um cenário de decadência moral. Caro conduz a narrativa com uma sensibilidade que se reflete nas cenas mais íntimas, como a que envolve Tochtli escolhendo um chapéu para se apresentar à mesa. Essa escolha simples ganha um peso emocional significativo quando se revela que o menino é calvo, o que sugere uma condição de saúde não explicitada, mas que adiciona uma camada de vulnerabilidade ao personagem.

“Festa no Covil” também se destaca por seu simbolismo, especialmente através dos presentes exóticos que Tochtli recebe de seu pai, sendo o mistério dos hipopótamos um dos elementos mais intrigantes da trama. Esses animais, que representam tanto a extravagância quanto o isolamento do menino, são uma metáfora poderosa para o mundo cercado de luxos e perigos em que ele vive. No entanto, Caro é cuidadoso em não romantizar o estilo de vida do crime. O filme provoca desconforto ao destacar as contradições desse universo, onde a violência e o afeto coexistem de forma incongruente.

A narrativa é envolvente e bem articulada, com uma estrutura que alterna momentos de ternura com cenas de brutalidade, sem perder a coerência ou o ritmo. A performance de García-Rulfo como Yolcaut é particularmente notável, trazendo uma complexidade ao personagem que vai além do estereótipo do vilão. Yolcaut é um homem dividido entre o amor pelo filho e a necessidade de manter o controle sobre seu império criminoso, e essa dualidade é retratada de forma convincente, sem cair em simplificações.

A adaptação de Caro, embora se mantenha fiel ao espírito do romance de Villalobos, consegue imprimir sua própria identidade ao filme, criando uma obra que dialoga tanto com a literatura quanto com o cinema contemporâneo. A influência do realismo mágico é evidente, mas “Festa no Covil” não se prende a isso, buscando também explorar as complexidades psicológicas dos personagens e a natureza contraditória do mundo em que vivem.

Em suma, “Festa no Covil” é um filme que desafia expectativas ao explorar o lado humano de personagens inseridos em um contexto de criminalidade extrema. Ao invés de se concentrar exclusivamente na violência e no poder, a narrativa coloca em primeiro plano a relação entre pai e filho, mostrando como até mesmo nas situações mais sombrias, a busca por proteção e afeto pode ser a força motriz de escolhas e ações. O filme é um retrato complexo e ambíguo da natureza humana, onde a moralidade é um conceito fluido e as intenções, por mais nobres que sejam, podem estar contaminadas por circunstâncias inescapáveis.


Filme: Festa no Covil
Direção: Manolo Caro 
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Comédia 
Nota: 8/10