Por 5 semanas entre os mais vistos em 90 países, filme foi assistido por 103 milhões de espectadores na Netflix Francisco Munoz / Netflix

Por 5 semanas entre os mais vistos em 90 países, filme foi assistido por 103 milhões de espectadores na Netflix

A capacidade de o ser humano escapar, mesmo que por breves instantes, das amarras da modernidade para contemplar o que há de mais profundo e simples em sua própria essência é rara e reveladora. Em momentos de introspecção, é possível vislumbrar as respostas que há tanto tempo procuramos, como se sempre estivessem ali, escondidas nas profundezas de nossa alma.

Essa busca, ora marcada por uma irracionalidade inquietante, ora por uma lógica desconcertante, assemelha-se à trajetória errante de um poeta derradeiro, perdido em devaneios que beiram a loucura, mas que são também carregados de uma beleza inefável.

Como um andarilho solitário que, na sua jornada em busca de sentido, prova o gosto de um amor divino enquanto persegue o efêmero, o homem é movido por desejos que, paradoxalmente, sempre parecem escapar de suas mãos. Mesmo quando se aproxima de realizar seus sonhos, ele se depara com uma estranha compulsão de destruir o que construiu, como se preferisse viver na insatisfação, incapaz de aceitar a plenitude da felicidade, ou de se reconhecer como uma criação imperfeita, porém rica em mistérios que o tornam singular e valioso em suas falhas.

Talvez a felicidade seja algo inalcançável para o ser humano, seja por falta de esforço, seja por falta de inclinação. Apesar das contradições morais inerentes à natureza humana, o mundo ao nosso redor continua a bradar, tentando nos despertar de nossa indiferença enquanto assistimos, apáticos, às florestas ancestrais sendo consumidas pelo fogo ou transformadas em luxuosos pisos de madeira nas mansões de uma elite que prefere ignorar as consequências de seus atos; enquanto mais uma espécie é riscada da lista das que ainda habitam este planeta; enquanto a terra clama por água que o calor inclemente impede de cair do céu; enquanto a própria água se torna doente, contaminada por ações humanas que, ironicamente, são vistas como progresso, apesar de serem baseadas em métodos antiquados e perigosos, tanto para o meio ambiente quanto para a própria humanidade. E o homem, rápido em apresentar desculpas frágeis, continua a justificar sua negligência.

Nesse cenário, o cineasta norueguês Roar Uthaug encontra um caminho ainda pouco explorado em sua carreira. Em “O Troll da Montanha”, ele resgata elementos do folclore norueguês, desconhecido para muitos fora de seu país, e cria uma obra que, apesar de se apresentar como um filme de entretenimento, carrega uma poderosa mensagem ecológica. O filme, que traz à vida uma criatura monstruosa que ataca apenas para se proteger, ecoa como um grito de socorro da Terra.

O roteiro, assinado por Uthaug e Espen Aukan, pode inicialmente parecer destinado a um público que busca apenas diversão descompromissada, semelhante aos que consomem obras como “King Kong” e “Godzilla” sem perceber as camadas mais profundas de suas narrativas. Contudo, a direção firme de Uthaug leva a história em uma direção muito mais reflexiva e impactante.

A trama é centrada na paleobióloga Nora Tideman, interpretada por Ine Marie Wilman, que faz uma descoberta que a deixa obcecada: o fóssil de um dinossauro que tem sido o ponto de discórdia entre cientistas de todo o mundo. Uthaug constrói cuidadosamente o clímax do filme, preparando o terreno para uma reviravolta ao introduzir a implosão de uma área da montanha onde as equipes de pesquisa estão trabalhando.

A partir desse momento, a narrativa é dominada pelo troll, uma criatura antropomórfica feita de pedra e musgo, que surge das profundezas da montanha, alterando drasticamente o rumo dos acontecimentos.

Para tentar entender a natureza da criatura recém-libertada, Nora busca a ajuda de seu pai, Tobias, um homem cuja moralidade e sanidade estão longe de serem exemplares.

O personagem, vivido por Gard B. Eidsvold, representa o tipo excêntrico que aparece em filmes de tom severo e quase impenetrável, mas cujo desenvolvimento é crucial para o entendimento do tema central da obra. Em uma das sequências mais memoráveis, o troll revela uma sensibilidade surpreendente, desafiando as expectativas e mostrando-se mais humano do que muitas pessoas.

Este filme, embora possa ser visto como mais uma adição ao gênero de monstros gigantes, é na verdade uma obra que se destaca por sua profundidade e pela habilidade de Uthaug em criar uma narrativa que fala diretamente ao coração dos problemas ambientais contemporâneos.

“O Troll da Montanha” é um lembrete poderoso da nossa conexão com a natureza e das consequências de ignorarmos os sinais de que o planeta está em perigo. Em última análise, Uthaug nos convida a refletir sobre o verdadeiro significado de progresso e sobre o que realmente importa na busca incessante do ser humano por sentido e felicidade.


Filme: O Troll da Montanha
Direção: Roar Uthaug
Ano: 2022
Gêneros: Terror/Ação/Suspense
Nota: 8/10