As escolhas, de uma forma ou de outra, sempre pautam a vida do homem. Nosso destino está subordinado ao que fazemos do agora, condição essencial para compreender — e aceitar — o porvir. Mas e quando o destino coloca-nos contra a parede e despeja sobre nós toda sorte de provações, quase todas tão absurdas em suas exigências que terminamos apenas por baixar a cabeça e aceitar seus desmandos? Em 18 de abril de 1906, um grande terremoto sacudiu São Francisco, na costa oeste americana. São José, a 55 quilômetros ao sul, claro, não saiu ilesa, e valendo-se de um fenômeno meteorológico Michael e Peter Spierig falam das agruras de uma mulher que deveria sentir-se a mais privilegiada das mortais, porém deriva para a solidão opressiva que povoa sua rotina de fantasmas.
É este o argumento central de “A Maldição da Casa Winchester”, um recorte vagamente biográfico da vida de Sarah Winchester (1839-1922), herdeira de vinte milhões de dólares, mais de meio bilhão de dólares hoje, e 50% das ações da Winchester Repeating Arms Company, fundada por seu marido, William Wirt Winchester (1862-1881). Junto com Tom Vaughan, os irmãos Spierig tentam chegar aos meandros da alma de Sarah, mas a necessidade de ter sempre um coelho na cartola e surpreender a audiência com sustos e guinadas artificiosas faz com que o feitiço vire contra os feiticeiros e perca-se uma boa tragédia.
Sarah Winchester é uma mulher cercada. Na introdução, quando sabemos de sua história pela boca de outros personagens, um perito contratado pela família de William quer provar a insanidade da ricaça e para isso convoca Eric Price, um psiquiatra dependente de láudano que também vai abrir a guarda e revelar essa e outras fraquezas. Um bom pedaço de “A Maldição da Casa Winchester” é de Jason Clarke e sua habilidade de descrever a loucura de Sarah com uma performance magnética, estudada e orgânica a um só tempo. À medida que o filme toma corpo, se tem claro que o doutor Price tem uma longa jornada diante de si e talvez a cura de sua paciente seja uma quimera ilusória demais para o boêmio niilista que nunca deixaria de ser.
A impecável direção de arte de Janie Parker e Mark Warren é um capítulo especial; a reconstituição da famosa casa Winchester e seus 161 quartos com janelas que davam para outros aposentos (!), 47 lareiras, dez mil vitrais, dois porões, três elevadores e seiscentas portas, crava a megalomania da viúva, que empenhou um generoso montante do espólio do marido na construção, talvez para dar abrigo a alma de William, perturbada pela culpa de ter contribuído para a cultura armamentista que se tornou pedra angular na América, e uma legião de demônios. Aqui, Helen Mirren é só detalhe.
Filme: A Maldição da Casa Winchester
Direção: Michael e Peter Spierig
Ano: 2018
Gêneros: Terror/Fantasia
Nota: 7/10