Dev Patel começou a ser percebido pelo radar de Hollywood a partir de “Quem Quer Ser um Milionário?” (2008), o conto de fadas pós-moderno sobre Jamal Malik, um garoto indiano que fatura uma montanha de dinheiro num programa de perguntas e respostas na tevê, mas torna-se alvo de uma misteriosa conspiração que deseja tomar-lhe muito mais que aquela insólita fortuna. O longa ganhou o Oscar de Melhor Filme e Danny Boyle venceu como Melhor Diretor, mas para muita gente faltou a estatueta de Patel nessa conta. “Fúria Primitiva” prova que eles estavam errados.
O ator tinha muito a crescer, e embora indicado pela Academia ao prêmio de Ator Coadjuvante por “Lion: Uma Jornada Para Casa” (2016), de Garth Davis, o diretor-protagonista deste thriller sangrento, repulsivo até, precisava ainda de uma prova de fogo assim. Seu roteiro, coassinado por Paul Angunawela e John Collee, conta a história de um lutador que, como Jamal, está fadado a passar a vida apanhando, até que se enxerga não como uma presa, mas como um potencial vitorioso. Patel junta à velha lenda indiana do Hanuman, o deus-macaco do hinduísmo, devoto de Rama, uma das encarnações do deus Vishnu, sequências de luta que exaltam a natureza belicosa de um povo que soube se impor quando necessário. Mas que continua a padecer de mazelas nada cinematográficas.
As frutas mais suculentas estão sempre no alto, e quanto maior a árvore, maior o tombo. A menção a Hanuman, a entidade que confronta o destino, sobe atrás da manga mais vistosa do pé, engole o sol e recebe a punição dos céus pontua as duas horas de um trama sobre a inadequação do homem, virando-se como consegue para não sucumbir. No caso do gladiador de Patel, genericamente chamado de Kid, ele resigna-se a sessões de espancamento noite após noite, ganhando um extra pelas chagas mais aparentes, e, claro, sempre usando a máscara de gorila que de algum modo o liga a seu modelo de divindade. Aos poucos, o diretor se enfronha no amago desse rapaz algo introspectivo, definitivamente revoltado com a própria situação, e que num lance um tanto inexplicado envereda para o crime.
“Fúria Primitiva” apresenta, sim, alguns pontos de contato com “O Tigre Branco” (2021), de Ramin Bahrani; todavia, se em outras narrativas o abuso da violência poderia denotar uma deficiência de estrutura, aqui a crueza das cenas é um elemento à parte. A diretora de fotografia Sharone Meir, de “Whiplash — Em Busca da Perfeição” (2014), levado à tela por Damien Chazelle, deixa claro que nada é gratuito, e mesmo o vermelho do sangue nas horas em que Kid surge num tiroteio e depois trocando socos e chutes num inferninho abafado na periferia de Nova Délhi é sufocado pelos tons sombrios da escuridão que é a própria jornada de Kid. O desfecho poético, após o enfrentamento de Baba Shakti, o guru mafioso de Makrand Deshpande, prova que o personagem central de “Fúria Primitiva” tem mesmo fome, fome de vitória.
Filme: Fúria Primitiva
Direção: Dev Patel
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10