Delirante, intrigante e imprevisível, filme com Ben Affleck no Prime Video vai gelar sua espinha Divulgação / Warner Bros.

Delirante, intrigante e imprevisível, filme com Ben Affleck no Prime Video vai gelar sua espinha

Uma trama que combina elementos de suspense, personagens peculiares com habilidades tanto numéricas quanto físicas, e uma mistura inusitada de máfia e autismo tem duas opções: prender o espectador logo no início ou se arriscar a perder força ao longo de suas quase duas horas de duração. “O Contador” (2016) se enquadra felizmente na primeira opção, resistindo a classificações simples e entregando uma narrativa que surpreende em vários aspectos. Sob a direção firme de Gavin O’Connor, a história, baseada no roteiro bem construído de Bill Dubuque, se desdobra de maneira envolvente desde as primeiras cenas.

A abertura, marcada por tons sépia e uma textura granulada que evocam o passado, revela de forma poética uma sequência brutal envolvendo facções criminosas, enquanto paralelamente apresenta flashes da vida de um jovem que cresceria para se tornar o complexo protagonista da história. Em 1989, o cenário se desloca para um lar de apoio a crianças com necessidades especiais, onde um casal angustiado considera deixar seu filho para receber cuidados que, segundo o médico responsável, lhe proporcionariam mais autonomia. Observado por seu irmão mais novo, o garoto completa um quebra-cabeça em tempo recorde, demonstrando já ali habilidades extraordinárias.

Essa introdução é essencial para compreender a complexidade do protagonista. O menino se transforma em Christian Wolff, um dos contadores mais habilidosos dos Estados Unidos, e um homem cuja racionalidade fria reflete a precisão de uma equação matemática. O nome Christian Wolff, que pode remeter tanto ao filósofo e matemático polonês do século XVIII quanto ao compositor contemporâneo de mesmo nome, encapsula a dualidade do personagem interpretado com maestria por Ben Affleck. A comparação com o Will Hunting de “Gênio Indomável” (1997) é inevitável, pois ambos os papéis exploram a genialidade sob uma ótica única, embora com trajetórias distintas. A ironia do destino, no entanto, não impede que “O Contador” seja visto como um filme digno de reconhecimento, seja pela atuação de Affleck, seja pelo roteiro engenhoso ou pelo trabalho notável dos coadjuvantes.

J.K. Simmons, por exemplo, entrega uma atuação memorável como Raymond King, antagonista silencioso mas persistente, cuja dinâmica com o personagem de Affleck é intensificada por sua parceria com Marybeth Medina, interpretada por Cynthia Addai-Robinson. A interação entre King e Medina, marcada por chantagens e manipulações, revela-se uma das partes mais intrigantes do filme, com Simmons demonstrando o mesmo nível de talento que lhe rendeu o Oscar por “Whiplash: Em Busca da Perfeição” (2014).

À medida que a trama avança, “O Contador” flerta com o gênero da ficção científica ao introduzir Lamar Blackburn (John Lithgow), proprietário de uma empresa de próteses de alta tecnologia, onde Wolff conhece Dana Cummings, personagem de Anna Kendrick. Kendrick e Affleck formam um par improvável, e a ausência de apelo romântico entre eles reforça a singularidade da narrativa. Cummings, inicialmente apresentada como uma figura desinteressada em questões sexuais ou emocionais, se vê envolvida em uma conspiração financeira que coloca sua vida em risco, levando-a a ser caçada por assassinos profissionais, entre eles Braxton (Jon Bernthal), cuja conexão com Wolff se revela uma peça chave no desfecho do filme. Embora o roteiro apresente algumas revelações difíceis de acreditar, especialmente envolvendo o personagem de Lithgow, essas inconsistências não tiram o brilho da narrativa como um todo.

Desde o início, O’Connor deixa claro que sua intenção é mesclar realidade e fantasia de forma a manter o público engajado, sem exigir uma suspensão total da descrença. O elenco entrega atuações sólidas, com Affleck surpreendendo nas cenas de ação, sejam elas armadas ou corpo a corpo. Entretanto, “O Contador” não é um filme isento de falhas. Mesmo assim, momentos de impacto, como o confronto final entre Wolff e Braxton e o afastamento de Cummings, garantem que a emoção prevaleça, lembrando que nem toda história precisa de um final feliz para ser memorável.


Filme: O Contador
Direção: Gavin O’Connor
Ano: 2016
Gênero: Drama/Ação/Thriller
Nota: 8/10