Uma parte significativa do que nos define é moldada durante a infância. As crianças frágeis e indefesas capturadas em fotografias de tempos distantes mantêm a essência do que precisamos para enfrentar o futuro, começando pelas reservas tão necessárias que a vida nos exige. Viver — ou mesmo simplesmente existir — frequentemente se assemelha a um tormento; o mundo nos oprime, dilacera nossos sonhos, enquanto o tempo, indiferente até diante do mais poderoso dos mortais, avança implacavelmente, jogando em nosso rosto a monumental insignificância que carregamos.
Só ao atingirmos certo ponto dessa longa jornada, que é exclusivamente nossa, percebemos que tudo o que precisávamos para alcançar a felicidade já tivemos um dia, e esse dia sempre pertence ao nosso passado distante, à infância, quando as preocupações nunca conseguiam se sobrepor à esperança; as dores, por mais intensas que parecessem à nossa percepção limitada, sempre se transformavam em lições que nos acompanhariam por toda a vida; e os desafios, que pareciam insuperáveis aos olhos de nossos pais, adultos teimosos em nos fazer ver o mundo através do filtro da tristeza, logo perdiam sua grandiosidade.
A infância é um refúgio seguro, um lugar acolhedor e mágico para onde retornamos em busca de consolo diante dos desafios da vida. As experiências vividas nessa fase especial marcam, para o bem ou para o mal, a forma como enfrentaremos futuros problemas ou como reconheceremos oportunidades favoráveis que nos permitam prosperar. A maneira como vivenciamos a infância, sem dúvida, influencia profundamente o que se tornará de nós no momento em que a fantasia cede lugar à realidade em seu estado mais cru, e a vida se transforma em uma luta árdua, repleta de feridas e golpes aos quais aprendemos a nos adaptar, exatamente como nos disseram que seria necessário caso quiséssemos conquistar o respeito dos outros.
Os protagonistas de “A Lagoa Azul” (1980) foram privados dessa etapa essencial, e não se pode afirmar que o mundo se lhes apresentou como um mar de felicidade. Um ícone visual para uma geração, o filme de Randal Kleiser deve ser apreciado em sua essência — especialmente por aqueles que cresceram na mesma época daqueles personagens inocentes, subitamente forçados a sobreviver em um paraíso de beleza incomparável, mas igualmente ameaçador — como um alerta sobre a ausência da civilização e o impacto que o ambiente selvagem pode ter sobre nós.
O roteiro de Douglas Day Stewart mantém boa parte do conteúdo do romance homônimo de Henry De Vere Stacpoole, publicado em 1908 e adaptado para o cinema por Dick Cruikshanks em 1923. Histórias que combinam, de forma quase coesa, o lado positivo do ser humano educado e sua imersão acidental em um habitat ao qual não pertence, sempre provocaram reações controversas. Nesse filme, Richard e Emmeline, dois jovens náufragos que sobrevivem a um desastre no mar — e cuja presença a bordo de um navio decadente em pleno século 19 sempre me intrigou — despertam sentimentos perturbadores naqueles que se permitem envolver pela trama.
O marinheiro Paddy Button, interpretado por Leo McKern, desempenha um papel crucial na narrativa, acompanhando as crianças até que Christopher Atkins e Brooke Shields assumem os papéis principais na fase adulta. A nudez explícita, mas desprovida de conotação sexual, é uma característica marcante do filme. Richard e Emmeline exploram os grandes mistérios da vida — nascimento, sobrevivência, amor, sexo, criação de uma família, concepção e a transcendência — com os limitados conhecimentos que possuem, mas é a sabedoria que desenvolvem em meio às condições adversas que realmente define sua jornada. O desfecho, surpreendente, serve como prova de que o ambiente ao nosso redor exerce uma influência incontornável sobre nossas vidas, contra a qual, muitas vezes, é inútil resistir.
Filme: A Lagoa Azul
Direção: Randal Kleiser
Ano: 1980
Gêneros: Drama/Aventura/Romance
Nota: 8/10