O filme mais bonito de Clint Eastwood está no Prime Video e vai mudar sua forma de enxergar a vida Divulgação / Warner Bros.

O filme mais bonito de Clint Eastwood está no Prime Video e vai mudar sua forma de enxergar a vida

Em “O Sonho de um Homem Ridículo”, conto publicado em 1877, Dostoiévski narra a história de um homem desacoroçoado, desesperançoso, perdido, tão insignificante que o autor sequer deu-se ao trabalho de dar-lhe um nome. Esse homem vaga pelas ruas mal iluminadas de uma São Petersburgo fustigada por um inverno que não tem clemência. O sujeito se deixa tomar por pensamentos monomaníacos de impotência e morte, o que já não lhe diz mais nada: ele era irremediavelmente um homem sem nenhuma importância, nem para os outros nem para si mesmo.

Muito da história de Hollywood se deve às obsessões de estúdios e diretores com essas figuras moralmente ambíguas, mas de natureza inquebrável, e intérpretes como Clint Eastwood firmaram suas carreiras mediante uma saudável teimosia, o que produções a exemplo de “Curvas da Vida” atestam com largueza. A história de um velho olheiro de beisebol que precisa da ajuda da filha num trabalho importante (e que pode ser o último) é outro dos grandes acertos de Robert Lorenz, um diretor tão perspicaz quanto arguto na composição de tipos humanos que poderiam resvalar na caricatura em mãos menos habilidosas.

Afrontando a lógica, o racional quase nunca se nos mostra tão instigante quanto poderia, não nos encanta, não consegue, enfim, cavar espaço num cérebro feito de labirintos, que se bifurca, se afunila e dá margem a pensamentos que fogem a qualquer noção de ordem. Como não sabe querer, no momento mesmo em que manifesta uma vontade, a natureza humana já lança a semente da destruição. A solidão é muito mais que apenas a vontade de estar só. Há passagens na vida de cada homem, célebre ou ordinário à náusea, em que urge retirar-se do mundo, ainda que pelo espaço de um instante, para cometer feitos heroicos.

É preciso esquecer muito para se lembrar do pouco que importa; é forçoso mergulharmos no mais fundo de nós a fim de saber para onde devemos ir, e esse é o mandamento tácito e definitivo no texto de Randy Brown sobre Gus Lobel, o tal descobridor de talentos do beisebol, um homem perdido em lembranças que agora precisa conviver também com a degenerescência física. O filme nada mais faz que usar o esporte como o pano de fundo em que repousam as questões inescapáveis e mais definitivas do indivíduo, algo em que Eastwood é permanecendo um campeão. Embora com menos brilho do que em “Menina de Ouro” (2004), dirigido por ele mesmo, aqui Eastwood delineia aspectos que o espectador custa a captar da relação de Gus com Mickey, a filha, de Amy Adams. O reencontro, doído e benfazejo para os dois, o que leva o filme, malgrado toda a dureza dos combates de marmanjos girando bastões.


Filme: Curvas da Vida
Direção: Robert Lorenz
Ano: 2012
Gêneros: Drama
Nota: 8/10