Filme responsável por destruir amizade entre Antoine Fuqua e Bruce Willis para sempre, na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

Filme responsável por destruir amizade entre Antoine Fuqua e Bruce Willis para sempre, na Netflix

Um jovem cineasta americano estaria realmente preparado para abordar, em um filme, os intricados e violentos conflitos bélicos de um país como a Nigéria, repleto de contrastes e questões que transcendem a geopolítica, a economia e, sem dúvida, a diplomacia? Antoine Fuqua, conhecido por sua habilidade em evitar o politicamente correto com uma sutileza notável, frequentemente expressa suas opiniões de maneira direta, permitindo que as controvérsias surgissem de forma quase inevitável, às vezes de maneira abrupta e desproporcional. “Lágrimas do Sol”, que exemplifica perfeitamente essa característica de sua filmografia, ainda hoje desperta discussões, mesmo após quase duas décadas de seu lançamento.

Embora o filme seja, essencialmente, uma narrativa simples, quase ingênua, sobre a obstinação de um homem em cumprir sua missão, ele já se mostra datado, especialmente quando comparado à vasta quantidade de produções similares que surgiram desde sua estreia em 17 de outubro de 2003. Compará-lo a “Apocalypse Now” (1979), uma obra que revolucionou os filmes de guerra, seria imprudente, mas há paralelos interessantes que podem ser traçados entre o clássico de Francis Ford Coppola e o trabalho de Fuqua, começando pelo elenco.

No universo de Fuqua, o personagem A.K. Waters é uma espécie de Walter E. Kurtz adaptado às suas circunstâncias. Bruce Willis assume o papel do militar que personifica o espírito combativo de seu personagem, sem, no entanto, exibir a complexidade psicótica do antagonista imortalizado por Marlon Brando em “Apocalypse Now”.

Embora Willis tenha conquistado notoriedade com esses personagens durões, ele se acomodou no tipo, muitas vezes esquecendo de equilibrar a dureza de figuras como o tenente Waters com a leveza que marcou seu papel como o detetive David Addison Jr. em “A Gata e o Rato” (1985-1989), que alavancou sua carreira. Fuqua inicia “Lágrimas do Sol” com uma referência alegórica à Guerra Civil da Nigéria, que ocorreu entre 6 de julho de 1967 e 15 de janeiro de 1970. No filme, o general Mustafa Yakubu, interpretado por Kanayo Chiemelu, acaba de derrubar o governo do presidente eleito Samuel Azuka.

Yakubu é claramente uma representação do ditador Yakubu Gowon, que mergulhou a Nigéria em um conflito sangrento que devastou o país por três anos. No entanto, ao invés de aterrissar diretamente na Nigéria, Waters chega em algum ponto indefinido da costa africana, incumbido de resgatar a médica naturalizada americana Lena Hendricks, interpretada por Monica Bellucci, além de um padre e duas freiras que prestavam serviços humanitários em uma nação já devastada pela violência de confrontos étnicos.

A narrativa do filme, marcada por cenas rápidas na selva nigeriana, segue a jornada de Willis e Bellucci enquanto tentam escapar para Camarões, fugindo do caos da guerra. O desenvolvimento de um antirromance entre Waters e Lena é evidenciado em momentos sutis, como quando Lena deixa escapar um “Sou toda sua” durante o primeiro encontro com o tenente em uma improvisada sala de cirurgia.

“Lágrimas do Sol” contém toques de delicadeza, como a comovente cena em que o padre Gianni, interpretado por Pierrino Mascarino (1939-2017), é brutalmente decapitado por um comandante impiedoso dentro de uma igreja convertida em enfermaria. Além disso, a subtrama que revela a aliança entre o soldado e Arthur, filho de Azuka, interpretado por Sammi Rotibi, na tentativa de restaurar a paz, adiciona uma camada de complexidade à narrativa.

O enredo poderia ter sido mais enxuto se a presença dos superiores hierárquicos de Waters tivesse sido minimizada, já que ele frequentemente ignora suas ordens e age conforme seus instintos, lembrando, em certos aspectos, o vilão de Brando. Essa abordagem teria conferido maior fluidez ao roteiro de Alex Lasker e Patrick Cirillo. “Lágrimas do Sol”, na Netflix, foi a produção que trouxe Fuqua mais perto dos grandes diretores de Hollywood, um ambiente conhecido por absorver e, por vezes, transformar cineastas ousados em meros produtores de conteúdo em série, distantes da excelência artística.


Filme: Lágrimas do Sol
Direção: Antoine Fuqua
Ano: 2003
Gêneros: Thriller/Guerra/Ação/Drama
Nota: 8/10