Em 1955, um grupo de atores de Chicago teve a ideia de que o teatro do improviso poderia ser uma forma de arte por si só. Cada um tem autonomia para levar o texto para onde quiser, desde que se observe três básicas: 1) dizer sim, isto é, aceitar a proposta do colega; 2) o grupo é o mais importante; e 3) não pensar, dar vazão aos impulsos. Passadas sete décadas, esse continua a ser o postulado da comédia em pé, o famoso stand-up comedy, espetáculos de bolso durante os quais o humorista diz o que vem-lhe à cabeça sem muita ideia de onde aquilo pode dar. O problema é que artistas são, além de vaidosos, um tanto avessos a convenções e amarras de qualquer ordem, e então acontece o que enuncia o título de “O Holofote não é para Todos”, a metacomédia em que o diretor-roteirista Mike Birbiglia leva o espectador pelos meandros de um universo que conhece como poucos.
São muitas as razões pelas quais a gente acaba perdendo a linha, soltando os cachorros no primeiro que aparece, chutando o balde e emporcalhando todo o salão. A vida cada vez mais permeada pela tensão, apuros de dinheiro, doença… Todas essas circunstâncias, em maiores ou menores proporções, deixam a gente jururu, borocoxô, macambúzio, casmurro, ou baixo astral mesmo. O mau humor também se manifesta por causas meramente físicas. A alimentação pobre em fibras e proteínas, presentes nas frutas, verduras e carnes, e que prioriza o açúcar refinado, por exemplo, pode ser um gatilho para o inferno existencial nosso de cada dia.
Outro motivo está na falta de exercício, já que o corpo humano foi moldado pelos milhões de anos de evolução para o movimento. O homem não suporta ficar indisposto, refém das descompensações químicas que ele mesmo fomenta. Qual a solução, rápida, por que não há tempo a se desperdiçar? Antidepressivos, ansiolíticos, sedativos… e o ciclo recomeça. Às vezes, a sensação de nó na garganta só se dissipa com a ajuda da medicina, mas na maior parte dos casos, há muitas outras saídas antes de se entregar aos tarjas-pretas da vida.
Tem horas que tudo o que a gente quer é gritar. Forte, alto. Aliviar aquele aperto no coração, para ver se conseguimos acordar no dia seguinte. Todo mundo se vê em palpos de aranha de vez em quando — alguns mais do que outros. Em que pese viver numa sociedade extremamente violenta, num mundo cada vez mais individualista em que valores antes fundamentais a fim de se primar pela boa convivência restam completamente distorcidos e superados, temos toda a sorte de problemas. Levantar da cama e ganhar o mundo às vezes já um desafio quase inexpugnável. Aí começa a fazer sentido um grupo de comediantes com o sugestivo nome de A Comuna, feito para que todos brilhem sem distinção.
Talento, como dinheiro, é uma das coisas mais mal-distribuídas do mundo e quando Jack, o mais aparecido da turma, consegue emprego num certo Weekend Live, exibido todos os sábados a noite a exemplo do “SNL”, deixando os outros no pasto, o cristal se rompe. Keegan-Michael Key, um The Rock bem mais magro e mais divertido — Birbiglia usa esses atributos do ator para elaborar a melhor piada do filme —, comove e nos instiga algumas reflexões. A subtrama de Bill, de Chris Gethard, por seu turno um sósia involuntário de Woody Allen em tudo (tirando o sucesso), e seu pai ególatra e algo perverso, é, para mim, a cereja do bolo desse humor sagaz e quase genial.
Filme: O Holofote não é para Todos
Direção: Mike Birbiglia
Ano: 2016
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10