Ganhador do Spirit Award e diferente de tudo que você já assistiu, filme com Taylour Paige e Colman Domingo acaba de chegar à Netflix Divulgação / A24

Ganhador do Spirit Award e diferente de tudo que você já assistiu, filme com Taylour Paige e Colman Domingo acaba de chegar à Netflix

Em 27 de outubro de 2015, uma dançarina de boate chamada A’Ziah King liderava os tópicos mais importantes do Twitter contando uma história sem pé nem cabeça sobre o que parecia o resultado de uma farra homérica com uma garota que ela havia acabado de conhecer, o namorado dela e um sujeito mais velho, cujo nome só foi ouvir 48 horas depois. King, a personagem-título de “Zola”, descreveu em 148 tuítes os pormenores mais sórdidos dos dias passados junto a esses três estranhos, até chegar a Tampa, um balneário no Golfo da Flórida, para onde aceitara ir por sua própria vontade a fim de tirar a roupa no pole dance e faturar algumas centenas de dólares de bêbados e tarados numa noite. Experiente na direção de séries para a televisão, Janicza Bravo viu na história a matéria-prima para um instigante relato sobre os bastidores da prostituição nos Estados Unidos, e a aura documental de seu trabalho só confirma que esse universo guarda enigmas que nem o poder do dinheiro fácil pode decifrar.

O roteiro de Bravo, coescrito com Jeremy O. Harris, indicado ao Tony por “SlavePlay”, espetáculo em que liga raça, sexo, poder e malsucedidos namoros inter-raciais, coloca Zola, a cativante anti-heroína de Taylour Paige, contra Stefani, o belo exemplar do lixo branco americano vivido por Riley Keough, mas, no princípio, claro, tudo são flores. A diretora brinca com diversos recursos estilísticos, a começar por fazer com que a protagonista rompa a quarta parede e converse com o público, dando-lhe sugestões acerca do que deve ser observado. Zola faz uns bicos de garçonete num restaurante de beira de estrada quando chega Stefani e o tal acompanhante de mais idade, com quem parece ter uma conversa amistosa. Ela os serve, e não demora para que a cliente se insinue e elogie seus seios; no momento em que estão a sós, Stefanijoga a isca e fala de uma possível ida para Tampa, onde as verdinhas brotam fácil e voam para dentro dos biquínis microscópicos das strippers. Alguns lances mais tarde, estão as duas no camarim de um inferninho algo decadente antes de uma apresentação, e agora Zola já sabe que entrou numa fria, ainda que sua situação ainda vá piorar um bocado. 

Bravo prefere resumir a viagem a pontos bastante específicos, deixando para as cenas em que o quarteto está reunido os instantes de maior tensão e uma comédia quase involuntária que define o absurdo de tudo aquilo. Inexplicavelmente, Zola escapa de todas as tentativas de Abegunde Olawale (é este o nome dele) de cooptá-la para uma madrugada interminável de programas, como faz com Stefani, forçada a encarar um batalhão de velhos e seus pênis flácidos de todos os tamanhos e feitios — sim, é engraçado para quem está de fora. Versátil, Colman Domingo fica quase irreconhecível na pele de Olawale, ao passo que Nicholas Braun como Derrek, o namorado debiloide da personagem de Keough, sublinha a tal extremo a miséria dos dois que não é difícil acreditar que sejam ele e Stefani, afinal, as grandes vítimas da trama, argumento de que a diretora se utiliza ao retroceder ao antigo local de trabalho de Zola e dar à outra garota a mesma fala da introdução. Tanta criatividade para dizer que 1) mulheres, avance o quanto queira o mundo, são alvos fáceis — inclusive para outras mulheres; e 2) prostitutas e que tais mancham de vermelho os copos dos pés-sujos de Europa, França e Bahia (e Flórida) não por sua própria vontade, mas para encher a barriga, a sua e de seus dependentes. Mas esse é um outro filme.


Filme: Zola
Direção: Janicza Bravo
Ano: 2020
Gêneros: Comédia/Crime
Nota: 8/10