Adaptação de fenômeno literário traduzido para mais de 30 idioma e com 12 milhões de cópias vendidas no mundo, na Netflix François Duhamel / CTMG

Adaptação de fenômeno literário traduzido para mais de 30 idioma e com 12 milhões de cópias vendidas no mundo, na Netflix

No filme “Comer, Rezar, Amar”, o desejo por mais, muitas vezes, leva a menos — até mesmo à perda de tudo. Essa é uma das reflexões que emergem após as longas duas horas de projeção. Inspirado no poema épico “Odisseia” de Homero, o filme reimagina essa jornada heroica sob uma perspectiva feminista e contemporânea, embalada por um marketing poderoso e um orçamento grandioso. A protagonista, Elizabeth Gilbert, é uma figura em constante conflito, buscando refúgio e satisfação nos prazeres mundanos, enquanto inconscientemente segue o conselho de Horácio: “carpe diem”. Sua jornada a leva de Nova York a destinos exóticos como Bali, Índia e Itália, apenas para descobrir que a paz que tanto anseia está muito mais próxima do que imagina, escondida em um lugar acessível apenas a ela mesma.

Dirigido por Ryan Murphy, o filme é uma adaptação do livro de mesmo nome, escrito por Gilbert e lançado em 2006, que permaneceu na lista de mais vendidos do “The New York Times” por 180 semanas. Murphy destaca com habilidade as complexidades e contradições da personagem principal, uma mulher que busca desesperadamente por transformação e sentido na vida. Ela está sempre inquieta, movida por uma ansiedade que, aos poucos, cede ao entendimento de que ninguém tem respostas absolutas para as grandes questões da existência.

A história começa com Liz pedalando por um arrozal em Bali, enquanto reflete sobre as misérias humanas que afligem a todos, independentemente de riqueza ou status. Combinando o útil ao agradável, ela tenta escrever um ensaio sobre práticas religiosas orientais, o que a leva ao encontro de Ketut Liyer, um guru que, apesar de suas palavras óbvias, oferece a Liz uma gravura de uma deusa hindu equilibrada sobre quatro pernas, uma metáfora que será crucial no desfecho do filme. Aos quarenta e poucos anos, Liz enfrenta uma crise de meia-idade, incapaz de encontrar satisfação em relacionamentos com homens que, apesar de realizarem todos os seus desejos, não conseguem conquistar seu amor.

O roteiro, coescrito por Murphy e Jennifer Salt, explora essas questões de maneira incisiva, levando o espectador a sentir antipatia pela protagonista em alguns momentos, apenas para vê-la se transformar de uma figura indomável em uma mulher frágil, mais vulnerável que os homens que abandona pelo caminho. Essa metamorfose é habilmente interpretada por Julia Roberts, cuja presença magnética eleva o filme.

As cenas em que Liz aparece casada com Stephen, interpretado por Billy Crudup, um homem obsessivo e carente, retratam com precisão os dilemas de uma mulher comum, presa em um casamento sem perspectivas e uma carreira insatisfatória. Um dos momentos mais tocantes é uma sequência de dança durante uma festa de bodas, onde a música “Celebration” do Kool & the Gang não só evoca memórias do passado, mas também serve como uma despedida melancólica de uma relação fracassada. A participação de James Franco como David, um ator promissor mas amargurado, também adiciona camadas de complexidade à história, apesar de suas aparições esporádicas.

A viagem de Liz pela Itália e Ásia marca momentos decisivos no filme. Na Itália, ela se entrega aos prazeres da culinária, mas é na Ásia, especialmente na Índia, que a narrativa ganha profundidade. A amizade com Richard, um texano que ela encontra em um templo nos arredores de Nova Délhi, é o catalisador que permite a Liz valorizar ainda mais suas descobertas pessoais. Eventualmente, ela retorna a Bali, onde o reencontro com Ketut, que inicialmente não a reconhece, proporciona um alívio cômico que suaviza a previsibilidade da trama.

O personagem Richard, interpretado por Richard Jenkins, volta ao Texas, enquanto Liz encontra o amor nos braços de Felipe, vivido por Javier Bardem, que entrega uma performance sólida e convincente, embora alguns possam preferir o desfecho com o texano. A frase do guru balinês sobre o desequilíbrio do amor ser essencial para uma vida equilibrada parece encapsular a jornada de Liz, sugerindo que, apesar de todos os seus altos e baixos, ela finalmente encontrou seu caminho.


Filme: Comer, Rezar, Amar
Direção: Ryan Murphy
Ano: 2010
Gêneros: Romance/Drama 
Nota: 8/10