A adaptação do romance fenômeno de Colleen Hoover, “É Assim que Acaba”, estreou nos cinemas brasileiros, com direção de Justin Baldoni e Blake Lively como atriz principal e produtora do filme. Todos já sabem que “É Assim que Acaba” trata de um tema muito importante, mas também bastante delicado. Ao escolher falar sobre violência contra a mulher, a escritora Colleen Hoover se inspirou na história de vida de sua mãe, que sofreu violência doméstica do marido, pai de Colleen. Na ficção, Colleen conta a história de Lily Bloom, uma jovem norte-americana que viveu toda a sua vida em uma cidade pequena dos Estados Unidos e se muda para Boston em busca de novas oportunidades. Lá, ela conhece Ryle, um neurocirurgião sedutor por quem ela se apaixona perdidamente.
O tema da violência não parece ser um segredo para os espectadores que compraram ingresso para assistir ao filme. A história do livro e as imagens do filme já ficaram tão famosas nas redes sociais que assistir ao filme parece ser uma concatenação de uma série de informações e expectativas que foram criadas sobre o filme, e que agora finalmente encontram um resultado. Atores atraentes, direção de arte visualmente agradável e uma trilha sonora excelente são os pontos positivos da obra.
No que diz respeito às escolhas de linguagem cinematográfica, há muito o que melhorar. Sinto que o diretor perde um pouco o tom da narrativa em diversos momentos do filme. Cenas que, no livro, pareciam super emocionantes, no filme são apenas tentativas falhas de comover o espectador. Os momentos românticos entre Lily e Atlas, por sua vez, que são encantadores no livro, no filme são cenas apenas bonitinhas, mas não trazem aquele frio na barriga.
Apesar de todos se encaixarem bem na fisionomia dos personagens, sinto que os atores foram mal dirigidos, e, por mais que se esforcem para demonstrar emoções verídicas, o filme é tão pouco palpável que é possível perceber que os atores tentam seguir fielmente os diálogos do livro e até as intenções dos personagens, com o objetivo de agradar um público de fãs que anseia desesperadamente por uma adaptação fidedigna. No fim das contas, não conseguem alcançar as emoções do livro nem apostar em uma originalidade inteligente. A cereja do bolo é a romantização da violência, que não sente vergonha nenhuma de se escancarar de forma bastante problemática. Graças ao seu tempo de aprofundamento, o livro, mesmo com problemas, consegue nos sensibilizar com a gravidade dos eventos e de todas as violências experimentadas por Lily, que não são apenas físicas, mas também sexuais, psicológicas e morais.
Por incrível que pareça, mesmo com imagem e som, o longa não consegue expressar de maneira real como o personagem de Ryle realmente era, e nem como Lily sofreu intensamente com tudo o que aconteceu. No desfecho, além de perdoar Ryle, Lily ainda leva sua filha para conhecer o túmulo de seu pai, ou seja, o homem que agrediu sua mãe física e sexualmente e ainda foi responsável por quase matar Atlas, o seu namorado da adolescência. Cena que, por sinal, não existe no livro e foi adicionada ao roteiro do filme com a aparente ideia de ressaltar, mais uma vez, como é importante perdoar agressores e seguir em frente, mesmo com todos os absurdos que existem por trás disso.
Não há palavras suficientes para descrever o retrocesso social que é o filme de Justin Baldoni e nem o perigo iminente que existe em normalizar a comercialização desse tipo de produto, com uma narrativa que coloca a mulher como uma eterna vítima da sociedade, que não tem voz nem espaço para superar seus traumas. Seu único papel é seguir em frente, sem questionar o sistema e sem buscar dignidade para si mesma depois de tudo que enfrentou.
A realidade é muito mais cruel que a ficção. Histórias como a de Lily são muito mais comuns do que imaginamos, e muito piores também. Mas creio que, justamente por ser uma ficção, esse era o espaço para mudar o jogo. Essa era a oportunidade perfeita para escrever outros destinos para as mulheres, para fazer as mulheres serem fortes, felizes e decididas, sendo capazes de, talvez, conseguirem justiça dentro de um cenário tão opressor. É muito difícil desvendar qual seria a melhor maneira de contar essa história, mas sinto que a escolhida tem muitos erros, apesar de ter potencial para ser muito melhor do que foi. Era possível transformar a história do livro em algo ainda impactante, mas menos problemático e que pudesse ser divulgado para diversos públicos. Mas não foi isso que senti. Mesmo respeitando as escolhas de Lily e entendendo que ela é a vítima de toda a situação, esperava um final mais triunfante para ela e, sobretudo, uma punição mais severa para Ryle.
Além de tudo isso, dois tropos típicos do romance são apresentados no enredo: um homem problemático e abusivo que precisa do perdão da mulher para ter sua redenção; e um triângulo amoroso entre a mulher, o bad boy e o príncipe encantado. Assim, fica claro que Lily precisa perdoar Ryle para que seu arco dramático seja concluído, e Atlas, por sua vez, precisa salvar Lily das garras de Ryle e mostrar a ela como vale a pena investir em um relacionamento entre os dois. Sendo assim, muito mais do que alertar sobre os problemas da violência doméstica, o filme acaba ressaltando um machismo estrutural e reforça a ideia de que a mulher só pode ser feliz se estiver ao lado de um homem, seja ele gentil e educado, ou um agressor compulsivamente ciumento, que merece ser perdoado por ela.
Filme: É Assim Que Acaba
Direção: Justin Baldoni
Ano: 2024
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 4/10