Filme baseado em uma thread do Twitter é o lançamento imperdível da semana na Netflix Divulgação / A24

Filme baseado em uma thread do Twitter é o lançamento imperdível da semana na Netflix

Dirigido por Janicza Bravo, “Zola” é um filme que não só surpreende, mas também deixa uma marca profunda ao transformar uma história real em uma experiência cinematográfica única. Baseado em uma série de 148 tweets escritos por A’Ziah “Zola” King, o enredo de “Zola” acompanha um fim de semana que começa como uma simples aventura e rapidamente se transforma em um turbilhão de acontecimentos inesperados. Zola, uma garçonete de Detroit que também se apresenta como stripper, encontra em Stefani uma nova amiga, e juntas embarcam em uma viagem à Flórida que logo revela um submundo sombrio onde o poder, a identidade e o consentimento são temas centrais e inquietantes. Através de uma narrativa vibrante e caótica, Bravo desafia o espectador a reconsiderar as noções tradicionais de consentimento, questionando a clareza dessas distinções em situações extremas.

Desde os primeiros momentos, Bravo estabelece uma atmosfera eletrizante que se mantém ao longo de todo o filme. Combinando elementos visuais e sonoros cuidadosamente orquestrados, o diretor captura tanto a euforia quanto a tensão características da juventude. A interação inicial entre Zola (interpretada por Taylor Paige) e Stefani (interpretada por Riley Keough) é acentuada por efeitos sonoros que evocam a presença constante das redes sociais, algo que é ao mesmo tempo familiar e perturbador. Estes sons, que variam de alertas de mensagens a trechos de música orquestral, são usados de maneira a amplificar as emoções dos personagens, ressaltando tanto os momentos de prazer quanto os sinais de perigo iminente. A cinematografia de Ari Wegner é uma peça fundamental nessa construção, alternando habilmente entre o brilho das luzes de neon e a crueza da realidade que Zola e Stefani enfrentam em sua jornada.

A dinâmica de poder é explorada de forma sutil, mas eficaz, especialmente na relação complexa entre Zola e Stefani. A diferença entre a identidade negra de Zola e a performance racial de Stefani se torna evidente em cenas em que Stefani tenta imitar Zola, adotando sua aparência e linguagem de maneira quase caricatural. Embora essa imitação inicial pareça fortalecer a conexão entre as duas, ela rapidamente se transforma em uma fonte de desconforto e irritação, à medida que as microagressões de Stefani e seu uso do “Blaccent” revelam uma tentativa de apropriação que é, no mínimo, problemática. Bravo, junto ao roteirista Jeremy O. Harris, trabalha essas nuances com precisão, utilizando a linguagem como um recurso para evidenciar as tensões raciais subjacentes. Palavras como “N-word” e “bitch”, inicialmente usadas de maneira casual, adquirem significados mais pesados e carregados à medida que a trama avança, refletindo as camadas de complexidade nas interações entre as personagens.

Embora tanto Zola quanto Stefani acabem se tornando vítimas de uma situação caótica e perigosa, o filme oferece uma análise rica e detalhada da agência feminina. Taylor Paige entrega uma atuação marcante como Zola, exibindo uma mistura de confiança e desdém enquanto navega pelas reviravoltas absurdas da história com uma autenticidade inabalável. Sua performance serve como o eixo emocional do filme, guiando o espectador por momentos de choque e descrença com uma sagacidade e presença que tornam sua personagem inesquecível. Em momentos cruciais, a câmera de Bravo se afasta das mulheres, concentrando-se na vulnerabilidade dos homens ao seu redor, subvertendo as expectativas comuns de cenas que normalmente explorariam a sexualidade feminina de maneira explícita.

As atuações de Colman Domingo e Nicholas Braun como X e Derrek, respectivamente, são igualmente dignas de nota. Domingo, com sua presença imponente, consegue alternar habilmente entre charme e ameaça, criando um personagem cuja complexidade é sentida em cada cena. Ele manipula as situações com uma mistura de violência e humor sombrio, mantendo o público em suspense. Braun, por outro lado, traz um toque de tragédia cômica ao papel de Derrek, um personagem cujo desespero patético evoca tanto risos quanto empatia. Essas performances reforçam a crítica do filme à masculinidade tóxica e seu impacto devastador na vida das pessoas que orbitam ao redor desses homens.

Ao escolher uma abordagem que mistura o cômico com o trágico, Bravo poderia ter se rendido a uma tonalidade sombria e opressiva para contar esta história de exploração e sobrevivência. No entanto, ao optar por uma narrativa que flerta com o surrealismo e brinca com o realismo, Bravo enriquece a experiência cinematográfica, desafiando as expectativas do público e oferecendo uma obra que é ao mesmo tempo divertida e perturbadora. “Zola” se destaca como um filme poderoso e inovador, que captura de forma precisa as complexidades da era das redes sociais, onde a linha entre o real e o virtual é tênue e as consequências da vida online podem se desdobrar de maneira devastadora na vida real.


Filme: Zola
Direção: Janicza Bravo
Ano: 2020
Gêneros: Comédia/Crime
Nota: 9/10