Negros montando cavalos podem parecer uma imagem incomum para muitos, mesmo dentro dos Estados Unidos, mas sempre estiveram presentes. Ao longo da história, os afro-americanos passaram por diversas transformações que moldaram o próprio curso da nação, preservando, no entanto, sua conexão profunda com a terra. Vendo a vida como uma grande celebração, esses guardiões do solo sabiam como transformar sua habilidade de lidar com a natureza em algo valorizado por toda uma sociedade, por um período indefinido. No entanto, como em outras áreas da sociedade americana, sua influência e até sua presença foram sendo lentamente apagadas dos registros históricos, restando apenas a lembrança de uma era distante em que eram vistos como os grandes pioneiros, apesar de sua grandeza e do espaço que um dia ocuparam já terem se tornado uma imagem vaga na memória coletiva.
No filme “Alma de Cowboy” (2020), Ricky Staub traz de volta o lugar que é de direito desses vaqueiros na história americana. Através da narrativa emocionante de um reencontro entre pai e filho, o western estilizado se destaca como um retrato da importância dos afro-americanos no cenário rural, especialmente no norte da Filadélfia no último século. Staub, utilizando membros da comunidade local, documenta a resiliência e independência dessas pessoas, mesmo em face da falta de apoio governamental, lembrando o feito de Chloé Zhao em “Nomadland” (2020). Fletcher Street Stables, uma pequena comunidade rural, ganha vida na ficção do diretor, que se apoia em um roteiro meticulosamente elaborado, coescrito com Dan Walser. O filme destaca a capacidade dessas pessoas de prosperar apesar das adversidades, enquanto aborda de forma sutil a questão do tráfico de drogas, uma presença perturbadora naquele simples, mas valioso refúgio.
Idris Elba, em mais uma atuação marcante, interpreta Harp, um dos pilares de Fletcher Street. Em uma pausa após o árduo trabalho com os cavalos — que as cenas intimistas de Staub capturam com intensidade —, Harp reconhece, mesmo após um período de afastamento, o rosto de Coltrane, seu filho vindo de Detroit. O desentendimento com a mãe, Amahle, interpretada por Liz Priestley, leva o garoto a ser deixado na Pensilvânia, sem qualquer intenção de crueldade ou negligência. Logo, Coltrane — batizado assim em homenagem a John Coltrane, embora prefira ser chamado de Cole, sem querer referindo-se a outro ícone da música americana, Cole Porter — percebe que sua nova realidade está longe dos sonhos que tinha para o futuro, embora sua vida em Michigan também não tenha sido gloriosa.
Caleb McLaughlin brilha, ofuscando até mesmo o carismático Elba, ou ao dividir a tela com Lorraine Toussaint, que com sua Nessie oferece o alívio cômico em uma narrativa cuja tensão nunca explode em violência, mas permanece latente. Staub não busca reinventar o gênero, mas se destaca ao refinar os múltiplos conflitos que permeiam a convivência forçada entre pai e filho, dando também espaço para Jack, o cavalo de Harp. “Alma de Cowboy” entrelaça as vidas de pai e filho, inicialmente estranhos, enquanto eles superam os obstáculos que os separam — e o consolo é perceber que os maiores desafios são aqueles que estão além do controle de ambos.
Filme: Alma de Cowboy
Direção: Ricky Staub
Ano: 2020
Gêneros: Faroeste/Drama
Nota: 9/10