O universo das artes não está isento de distorções. Enquanto surgem talentos raros que parecem descer à Terra uma vez a cada milênio, também emergem figuras cuja irrelevância impactante destrói a frágil esperança de que a humanidade possa ser redimida. Nesse contexto, a indústria cultural, desprovida de qualquer escrúpulo, explora consciências e aniquila sonhos, movida pela força implacável de seus próprios enganos. O showbiz, com a mesma intensidade com que cria mitos, também os destrói, sempre garantindo que, antes de derrubá-los, esses ídolos acreditem na ilusão de serem inatingíveis.
Escalar as alturas leva pessoas como Isabella Patterson a se acreditarem deuses, ignorando que, quanto maior a ascensão, mais dolorosa será a queda. Izzy, uma das personagens centrais de “Um Amor a Cada Esquina”, ascende rapidamente, como se pressentisse a inevitável ruína que a apagará para sempre. No entanto, não se pode negar o talento da jovem em diversas áreas. Peter Bogdanovich (1939-2022), diretor deste filme, trabalha o roteiro escrito em colaboração com sua então esposa, Louise Stratten, abordando uma das grandes doenças do pós-modernismo. Embora evite julgamentos morais, Bogdanovich não se furta a alfinetar o decadente cenário artístico contemporâneo, onde a arte, o teatro e o cinema, tal como a própria humanidade no caótico século 21, são justificados pela desculpa cínica de que “o artista dá ao público o que ele deseja”.
Bogdanovich começa o filme com uma cena emblemática, onde Izzy confessa a uma repórter como conseguiu sua grande oportunidade com um dramaturgo famoso. Apesar da leveza da direção, o gosto amargo de ver uma jovem se prostituindo em busca de um ideal maior permanece. Essas pessoas ganham atenção porque o mundo é um pântano de charlatões com talento para vender ilusões. Quatro anos antes, Izzy é contatada por Arnold Albertson, hospedado no InterContinental de Manhattan sob o pseudônimo de Derek Thomas, para um encontro. Ela imagina encontrar alguém com o charme de Marlon Brando (1924-2004), a vitalidade de Cary Grant (1904-1986) — ou até o ar rebelde de James Dean (1931-1955).
Arnold, embora não seja um príncipe encantado, encarna o papel de um galante herói de comédia romântica. Ele a leva para um jantar num restaurante indiano, um passeio de charrete, e, após o sexo, promete trinta mil dólares para que ela abandone a prostituição. As atuações de Imogen Poots e Owen Wilson são essenciais para fixar essa história, particularmente complexa, na mente do espectador. No segundo ato, como esperado, Arnold dirige Izzy na peça em que ele atua, contracenando com sua esposa, Delta, e o amante dela, Seth Gilbert (!). Nesse momento, Kathryn Hahn e Rhys Ifans substituem Poots e Wilson sob os holofotes.
Embora menos vibrante que “Muito Riso e Muita Alegria” (1981), “Um Amor a Cada Esquina” mantém o interesse graças a um elenco que domina seu ofício (ou, pelo menos, finge bem), além de extravagâncias deliciosas, como a aparição relâmpago de Quentin Tarantino na reta final. Woody Allen faria melhor? Talvez, mas Bogdanovich também tem seu espaço na frenética loucura farsesca de Nova York.
Filme: Um Amor a Cada Esquina
Direção: Peter Bogdanovich
Ano: 2014
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 8/10