Arrisco dizer que, desde o primeiro momento em que se tornou ciente de sua finitude, o ser humano procura fórmulas para vencê-la. A ciência tem conseguido prorrogar o tempo de vida, burlar vez ou outra as mazelas que nos aniquilam, desenvolver medicamentos, pesquisas, equipamentos que estendem nossa jornada. Mas seguimos presos à cláusula pétrea da existência, que determina que a morte não é negociável. Há quem tenha flertado com a clonagem como forma de perpetuar-se; volta e meia, o congelamento de corpos é notícia como promessa de vida eterna. Mas, no final das contas, tudo (ainda) não passa de devaneios suscitados pelo medo do adeus. A imortalidade segue sendo impossível para todos, com uma exceção: aqueles cuja genialidade artística eleva o legado ao patamar das coisas infinitas.
Silvio Santos nasceu em 12 de dezembro de 1930, partiu neste sábado, 17 de agosto de 2024, e será lembrado para sempre. Faz parte do grupo seleto de pessoas que, com a obra construída, eternizam a própria história. Silvio fez arte da maneira mais controvertida: sendo extremamente popular. Arrastar massas, encantar um público de faixas etárias distintas, hipnotizar, de manhã até a noite, pessoas de norte a sul com olhos vidrados no televisor é arte. As barreiras do tempo, as transformações sociais, a dispersão que as redes sociais causaram na forma de o mundo se entreter não foram suficientes para quebrar o ciclo. As famílias continuaram sentadas em seus sofás, vendo roletas girando, calouros cantando, aviõezinhos subindo e o auditório em festa.
O anúncio do falecimento de Silvio Santos pareceu uma pegadinha. Apesar das especulações recentes sobre o frágil estado de saúde e da idade avançada, é sempre esquisito ver partir quem sempre foi onipresente. A risada característica, a aposta em um formato mais leve do que pretensioso e a imagem marcante tornaram seu programa atemporal. O microfone preso ao peito martelava o estilo pouco elitista ou, de maneira lúdica, sugeria que a comunicação saía do coração. Para fãs ou críticos, era um comunicador excepcional. Dono de traquejo hábil, dono da emissora e, assim, das escolhas de seus repertórios, dono de frases controversas que pareciam não dar bola para o limite entre a piada e a ofensa, dono de uma autenticidade que sobreviveu décadas, expondo um carisma incomum, eventualmente questionado pelas posições polêmicas.
Silvio foi o maior da televisão brasileira e será lembrado pelo sorriso largo, o humor afiado, a capacidade de rir do próprio tombo e das chacotas lançadas sobre ele. Era peruca ou não? Era entretenimento, espetáculo, era show. Do milhão e para milhões. O fechar das cortinas cintilantes é hoje um engasgo na nostalgia de incontáveis brasileiros. É o choro de Maisas, Patricias, Hebes, Celsos, Cristinas, Augustos, Elianas, Marias e Josés de todo o Brasil… da caravana toda. O dia da morte de Silvio Santos era pressentido, mas não será rapidamente assimilado. O mundo que a gente forjou parece aos poucos deixar de existir. O dia da morte de Silvio Santos é o dia em que a gente percebe que o tempo passou e que, na sala de casa em que assistíamos ao Ivo Holanda e suas peripécias, muitos dos nossos não estão mais. É dia de maestros em silêncio no “Qual é a Música”, de placas abaixadas no jogo dos pontinhos, de luto na vila do Chaves.
Em seu último aniversário, Silvio foi surpreendido por fãs na porta de sua casa, com bolo, balões coloridos e a música célebre de seu programa ecoando pela rua. Gigante a vida toda, parecia ainda assim impressionado com o carinho. Silvio Santos, o rei da televisão, será notícia pelos próximos dias e estampará as telas em metalinguagem, um tanto justa quanto triste. “Do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar.”