Na abertura de “Mulheres do Século 20”, um Ford Galaxy em chamas carrega consigo as lembranças de dias que já se foram — talvez mais felizes ou menos confusos. Mike Mills, em seu terceiro longa, nos guia através da rotina de uma mãe e seu único filho, ambos ainda processando a ausência de um pai e marido, enquanto a vida, em sua imprevisibilidade, reserva novas reviravoltas. O diretor e roteirista demonstra uma atenção minuciosa ao desenvolvimento de seus personagens, criando diálogos que soam autênticos na boca de cada um deles. Essas falas, carregadas de verossimilhança, fazem com que acreditemos na existência real dessas pessoas, ou ao menos na possibilidade de que continuem a viver em algum canto desconhecido, aguardando um momento para retornar ao nosso imaginário. A singularidade dos conflitos apresentados ressoa, fazendo com que nos identifiquemos, não apesar, mas justamente por causa dessa especificidade.
Dorothea Fields encarna o espírito da Depressão. Os bebês nascidos durante a crise iniciada em 1929, que só encontrou seu fim em 1941, carregam em si as marcas da desesperança e do medo que dominavam aqueles anos. Dorothea, uma mulher de 55 anos, fumante compulsiva e mãe solo de um adolescente, enfrenta o desafio de criar Jamie em uma pequena cidade californiana no início dos anos 1980, onde ambos são vistos quase como figuras de um espetáculo itinerante.
Annette Bening, em uma de suas mais marcantes performances, dá vida a essa mulher profundamente inquieta, sempre desconfiada das intenções alheias, mas que, ao mesmo tempo, organiza pequenos jantares para um seleto grupo de amigos. Entre os convidados estão os bombeiros que contiveram as chamas do Galaxy e os inquilinos de sua casa: Abbie, uma fotógrafa punk em recuperação de um câncer, e William, um hippie multifuncional. Greta Gerwig e Billy Crudup, com suas atuações, reforçam o tom de estranhamento que permeia o ambiente, mas é a chegada de Julie, amiga de infância de Jamie, que traz uma escuridão ainda mais densa, ao invadir o quarto do rapaz nas noites em que não suporta a presença dos pais.
Se em “Toda Forma de Amor” (2011), onde abordava a história de um homem de 75 anos que se assume homossexual, Mills ofereceu uma visão sobre seu pai, em “Mulheres do Século 20”, ele mergulha na figura materna, transcendente ao mero relato pessoal. Lucas Jade Zumann, no papel de Jamie, reflete a complexidade de sua relação com o mundo ao redor, especialmente com o universo feminino, representado pela enigmática Julie, interpretada por Elle Fanning. Ao longo das duas horas de filme, o que fica é sua tentativa desesperada de provar que é uma boa pessoa, algo que não se contesta, embora o filme seja, essencialmente, sobre as mulheres: fortes e frágeis, sagradas e profanas, autossuficientes e românticas, em uma representação atemporal que resiste à passagem dos séculos.
Filme: Mulheres do Século 20
Direção: Mike Mills
Ano: 2016
Gênero: Comédia/Drama
Nota: 8/10